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Transcript

Temática

Contraste entre a cidade e o campo

Imagética feminina

Flores Velhas

Estilo literário

Linguagem

Familiar

Cuidada

Frases declarativas

"Alfazema"

"Abelhas"

"Néctar"

"Jardim"

"Borboletas"

"Goivo"

"Rosas"

"Rio"

Fui ontem visitar o jardinzinho agreste,

Aonde tanta vez a lua nos beijou,

E em tudo vi sorrir o amor que tu me deste,

Soberba como um sol, serena como um voo.

Em tudo cintilava o límpido poema

Com ósculos rimado às luzes dos planetas;

A abelha inda zumbia em torno da alfazema;

E ondulava o matiz das leves borboletas.

Em tudo eu pude ver ainda a tua imagem,

A imagem que inspirava os castos madrigais;

E as vibrações, o rio, os astros, a paisagem,

Traziam-me à memória idílios imortais.

Diziam-me que tu, no flórido passado,

Detinhas sobre mim, ao pé daquelas rosas,

Aquele teu olhar moroso e delicado,

Que fala de langor e de emoções mimosas;…

E nosso bom romance escrito num desterro,

Com beijos sem ruído em noites sem luar,

Fizeram-mo reler, mais tristes que um enterro,

Os goivos, a baunilha e as rosas-de-toucar.

Mas tu agora nunca, ah! Nunca mais te sentas

Nos bancos de tijolo em musgo atapetados,

E eu não te beijarei, às horas sonolentas,

Os dedos de marfim, polidos e delgados...

Eu, por não ter sabido amar os movimentos

Da estrofe mais ideal das harmonias mudas,

Eu sinto as decepções e os grandes desalentos

E tenho um riso mau como o sorrir de Judas.

E tudo enfim passou, passou como uma pena

Que o mar leva no dorso exposto aos vendavais,

E aquela doce vida, aquela vida amena,

Ah! nunca mais virá, meu lírio, nunca mais!

Os teus pequenos pés, aqueles pés suaves,

Julguei-os esconder por entre as minhas mãos,

E imaginei ouvir ao conversar das aves

As célicas canções dos anjos teus irmãos.

E como na minha alma a luz era uma aurora,

A aragem ao passar parece que me trouxe

O som da tua voz, metálica, sonora,

E o teu perfume forte, o teu perfume doce.

Agonizava o Sol gostosa e lentamente,

Um sino que tangia, austero e com vagar,

Vestia de tristeza esta paixão veemente,

Esta doença enfim, que a morte há-de curar.

E quando me envolveu a noite, noite fria,

Eu trouxe do jardim duas saudades roxas,

E vim a meditar em quem me cerraria,

Depois de eu morrer, as pálpebras já frouxas.

metáfora

Comparação

Enumeração

Hipálage

Adjetivação

Paradoxo

Assíndeto

Repetição

Animismo

A / go / ni / za / va o / Sol / gos / to / sa e / len / ta / men / te,

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Um / si / no / que / tan / gia, / aus / te / ro e / com / va / gar,

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Ves / tia / de / tris / te / za es / ta / pai / xão / ve / e / men / te,

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Es / ta / doen / ça en / fim, / que a / mor / te / há / -de / cu / rar

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Apóstrofe

Aliteração

Polissíndeto

Eufemismo

Sinestesia

Ironia

Exclamação

E, ó pálida Clarisse, ó alma ardente e pura,

Que não me desgostou nem uma vez sequer,

Eu não sabia haurir do cálix da ventura

O néctar que nos vem dos mimos da mulher.

Falou-me tudo, tudo, em tons comovedores,

Do nosso amor, que uniu as almas de dois entes;

As falas quase irmãs do vento com as flores

E a mole exalação das várzeas rescendentes.

Inda pensei ouvir aquelas coisas mansas

No ninho de afeições criado para ti,

Por entre o riso claro, e as vozes das crianças,

E as nuvens que esbocei, e os sonhos que nutri.

Lembrei-me muito, muito, ó símbolo das santas,

Do tempo em que eu soltava as notas inspiradas,

E sob aquele céu e sobre aquelas plantas

Bebemos o elixir das tardes perfumadas.

Ó minha boa amiga, ó minha meiga amante!

Quando ontem eu pisei, bem magro e bem curvado,

A areia em que rangia a saia roçagante,

Que foi na minha vida o céu aurirrosado,

Eu tinha tão impresso o cunho da saudade,

Que as ondas que formei das suas ilusões

Fizeram-me enganar na minha soledade

E as asas ir abrindo às minhas impressões.

Soltei com devoção lembranças inda escravas,

No espaço construí fantásticos castelos,

No tanque debrucei-me em que te debruçavas,

E onde o luar parava os raios amarelos.

Cuidei até sentir, mais doce que uma prece,

Suster a minha fé, num véu consolador,

O teu divino olhar que as pedras amolece,

E há muito me prendeu nos cárceres do amor.

Pois que, minha adorada, eu peço que não creias

Que eu amo esta existência e não lhe queira um fim;

Há tempos que não sinto o sangue pelas veias

E a campa talvez seja afável para mim.

Portanto, eu, que não cedo às atracções do gozo,

Sem custo hei-de deixar as mágoas deste mundo,

E, ó pálida mulher, de longo olhar piedoso,

Em breve te olharei calado e moribundo.

Mas quero só fugir das coisas e dos seres,

Só quero abandonar a vida triste e má

Na véspera do dia em que também morreres,

Morreres de pesar, por eu não viver já!

E não virás, chorosa, aos rústicos tapetes,

Com lágrimas regar as plantações ruins;

E esperarão por ti, naqueles alegretes,

As dálias a chorar nos braços dos jasmins!

Personificação

Flores Velhas

Fui ontem visitar o jardinzinho agreste,

Aonde tanta vez a lua nos beijou,

E em tudo vi sorrir o amor que tu me deste,

Soberba como um sol, serena como um voo.

Em tudo cintilava o límpido poema

Com ósculos rimado às luzes dos planetas;

A abelha inda zumbia em torno da alfazema;

E ondulava o matiz das leves borboletas.

Em tudo eu pude ver ainda a tua imagem,

A imagem que inspirava os castos madrigais;

E as vibrações, o rio, os astros, a paisagem,

Traziam-me à memória idílios imortais.

Diziam-me que tu, no flórido passado,

Detinhas sobre mim, ao pé daquelas rosas,

Aquele teu olhar moroso e delicado,

Que fala de langor e de emoções mimosas;…

E nosso bom romance escrito num desterro,

Com beijos sem ruído em noites sem luar,

Fizeram-mo reler, mais tristes que um enterro,

Os goivos, a baunilha e as rosas-de-toucar.

Mas tu agora nunca, ah! Nunca mais te sentas

Nos bancos de tijolo em musgo atapetados,

E eu não te beijarei, às horas sonolentas,

Os dedos de marfim, polidos e delgados...

Eu, por não ter sabido amar os movimentos

Da estrofe mais ideal das harmonias mudas,

Eu sinto as decepções e os grandes desalentos

E tenho um riso mau como o sorrir de Judas.

E tudo enfim passou, passou como uma pena

Que o mar leva no dorso exposto aos vendavais,

E aquela doce vida, aquela vida amena,

Ah! nunca mais virá, meu lírio, nunca mais!

Os teus pequenos pés, aqueles pés suaves,

Julguei-os esconder por entre as minhas mãos,

E imaginei ouvir ao conversar das aves

As célicas canções dos anjos teus irmãos.

E como na minha alma a luz era uma aurora,

A aragem ao passar parece que me trouxe

O som da tua voz, metálica, sonora,

E o teu perfume forte, o teu perfume doce.

Agonizava o Sol gostosa e lentamente,

Um sino que tangia, austero e com vagar,

Vestia de tristeza esta paixão veemente,

Esta doença enfim, que a morte há-de curar.

E quando me envolveu a noite, noite fria,

Eu trouxe do jardim duas saudades roxas,

E vim a meditar em quem me cerraria,

Depois de eu morrer, as pálpebras já frouxas.

E, ó pálida Clarisse, ó alma ardente e pura,

Que não me desgostou nem uma vez sequer,

Eu não sabia haurir do cálix da ventura

O néctar que nos vem dos mimos da mulher.

Falou-me tudo, tudo, em tons comovedores,

Do nosso amor, que uniu as almas de dois entes;

As falas quase irmãs do vento com as flores

E a mole exalação das várzeas rescendentes.

Inda pensei ouvir aquelas coisas mansas

No ninho de afeições criado para ti,

Por entre o riso claro, e as vozes das crianças,

E as nuvens que esbocei, e os sonhos que nutri.

Lembrei-me muito, muito, ó símbolo das santas,

Do tempo em que eu soltava as notas inspiradas,

E sob aquele céu e sobre aquelas plantas

Bebemos o elixir das tardes perfumadas.

Ó minha boa amiga, ó minha meiga amante!

Quando ontem eu pisei, bem magro e bem curvado,

A areia em que rangia a saia roçagante,

Que foi na minha vida o céu aurirrosado,

Eu tinha tão impresso o cunho da saudade,

Que as ondas que formei das suas ilusões

Fizeram-me enganar na minha soledade

E as asas ir abrindo às minhas impressões.

Soltei com devoção lembranças inda escravas,

No espaço construí fantásticos castelos,

No tanque debrucei-me em que te debruçavas,

E onde o luar parava os raios amarelos.

Cuidei até sentir, mais doce que uma prece,

Suster a minha fé, num véu consolador,

O teu divino olhar que as pedras amolece,

E há muito me prendeu nos cárceres do amor.

Pois que, minha adorada, eu peço que não creias

Que eu amo esta existência e não lhe queira um fim;

Há tempos que não sinto o sangue pelas veias

E a campa talvez seja afável para mim.

Portanto, eu, que não cedo às atracções do gozo,

Sem custo hei-de deixar as mágoas deste mundo,

E, ó pálida mulher, de longo olhar piedoso,

Em breve te olharei calado e moribundo.

Mas quero só fugir das coisas e dos seres,

Só quero abandonar a vida triste e má

Na véspera do dia em que também morreres,

Morreres de pesar, por eu não viver já!

E não virás, chorosa, aos rústicos tapetes,

Com lágrimas regar as plantações ruins;

E esperarão por ti, naqueles alegretes,

As dálias a chorar nos braços dos jasmins!

Laura Correia nº13

Poemas de Cesário Verde

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