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Transcript

"A Mensagem"

O MOSTRENGO IV

O mostrengo que está no fim do mar

Na noite de breu ergueu-se a voar;

À roda da nau voou três vezes,

Voou três vezes a chiar,

E disse: «Quem é que ousou entrar

Nas minhas cavernas que não desvendo,

Meus tectos negros do fim do mundo?»

E o homem do leme disse, tremendo:

«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?

De quem as quilhas que vejo e ouço?»

Disse o mostrengo, e rodou três vezes,

Três vezes rodou imundo e grosso,

«Quem vem poder o que só eu posso,

Que moro onde nunca ninguém me visse

E escorro os medos do mar sem fundo?»

E o homem do leme tremeu, e disse:

«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,

Três vezes ao leme as reprendeu,

E disse no fim de tremer três vezes:

«Aqui ao leme sou mais do que eu:

Sou um Povo que quer o mar que é teu;

E mais que o mostrengo, que me a alma teme

E roda nas trevas do fim do mundo;

Manda a vontade, que me ata ao leme,

De El-Rei D. João Segundo!»

Quem é o Monstrengo?

Quem é?

Quem é?

O poema "O Monstrengo" está inserido na segunda parte da obra "Mensagem" - "O Mar Português" - poemas inspirados na ânsia do desconhecido e no domínio dos mares.

O Monstrengo é a personagem de Fernando Pessoa que representa o retomar da personagem o Adamastor referida por Luís de Camões, nos Lusíadas. Neste sentido, o Monstrengo é um mítico gigante baseado na mitologia greco-romana.

Foi popularizado como o gigante do Cabo das Tormentas, que afundava as naus, e cuja figura se desfazia em lágrimas. As suaas lágrimas eram as águas salgadas que banhavam os oceanos Atlântico e Índico.

O episódio do Monstrengo representa, assim a sua oposição à audácia dos navegadores portugueses e a predição da história trágico-marítima que se lhe seguiria.

O Adamastor

de ...

Retrato do Monstrengo

...

Fernando Pessoa

O Monstrengo situa-se no desconhecido, no local que se julgava ser o fim: "está no fim do mar / Na noite de breu…" – vv. 1-2, ligado a um tom de mistério, de enigma;

É o senhor dos mares e dos seus segredos, é o monstro que vive nas cavernas que guardam o fim do mundo "Nas minhas cavernas que não desvendo, / Meus tetos negros do fim do mundo" - vv. 6-7;

É imundo e grosso, tem um aspeto medonho, horrível (v. 13);

É ameaçador e arrogante;

Tem atitudes intimidatórias, ameaçadoras, aterrorizadoras, de força e poder;

Tem poder sobre o mar: "o que só eu posso" (v. 14).

O que simboliza?

O monstrengo simboliza o mar desconhecido,

‑ os segredos ocultos, o medo dos navegadores que enfrentavam o desconhecido e os perigos que estes tiveram de enfrentar na época dos descobrimentos.

Simboliza geograficamente o Cabo das Tormentas, posteriormente chamado da Boa Esperança.

Map

Aparição do número 3

  • O poema tem 3 estrofes, cada uma com 9 versos (3x3);
  • Cada personagem fala três vezes;
  • Terceiro verso de cada estrofe repete-se com a expressão "três vezes";
  • Três vezes voou e rodou o monstrengo;
  • Três vezes vezes tremeu, prendeu as mãos ao leme o homem do leme.

Simbologia do número 3

O número três representa a unidade divina, a trindade. É um número misterioso por excelência, resume-se à união entre o céu e a terra.

Representa a fartura e a perfeição.

O número 3 significa a conclusão e a totalidade de um ciclo, o fim do medo, a conquista do mar, desta maneira a passagem do desconhecido para o conhecido.

O que significa isto?

Quem são D. João II e o homem do leme?

João II, apelidado de "o Príncipe Perfeito", foi o Rei de Portugal e filho de Afonso V de Portugal e Isabel de Avis, Rainha de Portugal. Este ordenou em 1487 duas missões com direção à Índia, uma por terra e outra através do mar. Sob a autoridade do experiente navegador Bartolomeu Dias, os navios portugueses conseguiriam cruzar o Cabo das Tormentas pela primeira vez no ano de 1488.

O homem do leme simboliza a coragem e a ousadia do povo português; é o herói mítico, símbolo do seu povo e que, por isso, passa de herói individual a coletivo, com uma missão a cumprir.

O Monstrengo e o Adamastor

Semelhanças:

Conteúdo épico semelhante, a força invencível do mar do outro, a coragem de um marinheiro que representa um povo que quer o mar.

Ambos querem tornar os Portugueses heróis, pela sua coragem, valentia e determinação. Quer este poema, quer o episódio do Adamastor revelam o espírito aventureiro, a intrepidez e a audácia do povo português.

Diferenças:

Além das diferentes descrições, no monstrengo este é vencido pela determinação e pela coragem do marinheiro e no adamastor vencido pelos males de amor

No Monstrengo a colocação do homem do leme ao serviço de D. João II e no Adamastor o interlocutor do gigante é Vasco da Gama, ao serviço do rei D. Manuel.

Ulisses

O mito é o nada que é tudo.

O mesmo sol que abre os céus

É um mito brilhante e mudo –

O corpo morto de Deus,

Vivo e desnudo.

Este que aqui aportou,

Foi por não ser existindo.

Sem existir nos bastou.

Por não ter vindo foi vindo

E nos criou.

Assim a lenda se escorre

A entrar na realidade,

E a fecundá-la decorre.

Em baixo, a vida, metade

De nada, morre.

Ulisses

O poema “Ulisses” encontra- -se na primeira parte, “Brasão”, da “Mensagem” de Fernando Pessoa e integra-se no segundo capítulo: “Os Castelos”. O facto de ser o primeiro poema dessa parte, justifica-se por Ulisses ser o mais antigo dos heróis associado à história de Portugal.

Quem foi Ulisses?

Quem é?

A figura de Ulisses (Odisseu, em grego) transcendeu do âmbito da mitologia grega e converteu-se num símbolo da capacidade do homem para superar as adversidades. É a personagem principal da obra a Odisseia, de Homero. É um dos maiores guerreiros de toda a epopeia grega, mesmo depois da guerra, aquando do seu longo retorno ao seu reino, Ítaca, uma das numerosas ilhas gregas.

É também conhecido pela estratégia do cavalo de madeira que permitiu aos gregos penetrar em Tróia e obter a vitória.

Qual a influencia de Ulisses para Portugal?

Como nos influenciou?

O título “Ulisses” remete-nos para a origem de Portugal, atribuindo a Ulisses, navegador errante, que depois da guerra de Tróia se perdeu, a fundação de “Olissipo”, futura Lisboa. Não havendo provas históricas dessa fundação, na sua origem está, portanto, um mito.

Ulisses não só deu nome à nossa capital como nos inspirou sentimentos como a determinação e vocação marítima.

Como está o poema dividido?

O poema divide-se em três diferentes partes.

A primeira estrofe, onde nos é explicado o que é um mito.

A segunda estrofe, onde nos apresenta a personagem Ulisses como sendo um mito e nos explica qual a sua influência.

Por fim, a terceira estrofe, que é uma conclusão que relata a influência do mito no real.

De que forma é possível algo que não é nada ser tudo?

"O mito é o nada que é tudo"

O mito é "nada" porque, dada a sua natureza, não tem consistência nem fundamento, não existe na realidade, não é um facto, mas ao mesmo dá uma explicação para todas as coisas. Ou seja, está na origem dos grandes acontecimentos e transforma o real.

Ulisses, ainda que não tenha existido, foi transformado em mito e projetou, por ser um herói ligado ao mar e às viagens, o povo português para a glória, concretizada nas longas viagens marítimas rumo ao desconhecido, vencendo, com audácia, os perigos.

Análise formal do poema

O poema é constituído por três quintilhas, cada uma delas formadas por quatro versos de 7 sílabas métricas e um, o que finaliza cada estrofe, de 4.

O esquema rimático de cada estrofe é ababa, rima cruzada.

No poema estão presentes metáforas, antítese, "O mito é o nada que é tudo".

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