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PARQUE INDUSTRIAL
Romance proletário
MARA LOBO
(Patrícia Galvão - Pagu)
Pagu tem olhos moles
Olhos de não sei o que
Si a gente está perto deles
A alma começa a doer
Eh, Pagu, Eh
Dói porque é bom de fazer doer.
Raul Bopp – O coco de Pagu (fragmento - 1928)
Profa. Marília Dias
Literatura
marilia1907@gmail.com
Esses desenhos de linhas leves faziam parte do Álbum de Pagu – nascimento, vida, paixão e morte, dedicado a Tarsila do Amaral, e eram acompanhados de poemas que explicitavam a libertária vida social e sexual que tinha aos seus 19 anos.
"Pensei em escrever um livro revolucionário. Assim, nasceu a ideia de Parque Industrial. Ninguém havia feito literatura neste gênero. Faria uma novela de propaganda que publicaria com pseudônimo, esperando que as coisas melhorassem.” (GALVÃO, Agir, 2005, pp 111 e 112)
TRATAMENTO CRÍTICO E PESSIMISTA
"Há uma transitoriedade constante na obra de Pagu, um oscilar no espaço do 'entre': entre a sociedade agrária e a urbana, entre diferentes universos do Brás; entre a vanguarda e o realismo; a ironia e a identificação; a linguagem direta e o uso de lirismo; a obra de arte e o panfleto, o presente capitalista e o futuro utópico comunista; a perspicácia e a ingenuidade; a vida e a ficção; o eu e o outro; o desejo e a realidade. Nesse pêndulo, por vezes contraditório, por vezes complementar, é difícil estabelecer o que prevalece, se é que algo prevalece. Mas, de maneira geral, é possível perceber o tratamento crítico pessimista da obra suplantando o tom utópico, panfletário, ali presente de crença no futuro da evolução."
Cecilia Silva Furquim Marinho (2019). PAGU E “PARQUE INDUSTRIAL”: O FEMININO, A VANGUARDA E O ROMANCE PROLETÁRIO.
DOCUMENTO SOCIAL E LITERÁRIO
"[...] o brasilianista americano Kenneth David Jackson, professor da Universidade do Texas, em Austin, salienta, num artigo sobre 'Patrícia Galvão e o realismo social brasileiro dos anos 30': '...um importante documento social e literário, com uma perspectiva feminina e única do mundo modernista de São Paulo. Mara Lobo, como o Lobo das Estepes de Hermann Hesse, satiriza e critica a sociedade burguesa, embora com uma solução política e não humanística. Seu romance é o depoimento de alguém que estava por dentro da hipocrisia e da riqueza irresponsável dos estágios iniciais da industrialização de São Paulo, através dos círculos modernistas dos quais ela participava'.
TEARES
São Paulo é o maior centro industrial da América do Sul: O pessoal da tecelagem soletra no cocuruto imperialista do “camarão”* que passa. A italianinha matinal dá uma banana pro bonde. Defende a pátria.
– Mais custa! O maior é o Brás!
p. 15
*bonde
Na grande penitenciária social os teares se elevam e marcham esgoelando. Bruna está
com sono. Estivera num baile até tarde. Para e aperta com raiva os olhos ardentes. Abre a boca cariada, boceja. Os cabelos toscos estão polvilhados de seda.
– Puxa! Que esse domingo não durou... Os ricos podem dormir à vontade.
– Bruna! Você se machuca. Olha as tranças!
É o seu companheiro perto.
O Chefe da Oficina se aproxima, vagaroso, carrancudo.
– Eu já falei que não quero prosa aqui!
– Ela podia se machucar...
– Malandros! É por isso que o trabalho não rende! Sua vagabunda!
p. 17
NUM SETOR DE LUTA DE CLASSES
Os policiais começam sabotando, interrompendo os oradores.
É um cozinheiro que fala. Tem a voz firme. Não vacila. Não procura palavras. Elas vêm. Os cabelos nos olhos bonitos. Camisa de meia suada, agita as mãos enérgicas. Estão manchadas pelas dezenas de cebolas picadas diariamente no restaurante rico onde trabalha.
– Nós não podemos conhecer os nossos filhos! Saímos de casa às seis horas da manhã. Eles estão dormindo. Chegamos às dez horas. Eles estão dormindo. Não temos férias! Não temos descanso dominical!
[...]
Um operário da construção civil grita:
– Nós construímos palácios e moramos pior que os cachorros dos burgueses. Quando ficamos desempregados, somos tratados como vagabundos. Se só temos um banco de rua para dormir, a polícia nos prende. E pergunta por que não vamos para o campo. Estão dispostos a nos fornecer um passe para morrer de chicotadas no “mate-laranjeira”!
p.29
TEARES
Um rapazinho se espanta. Ninguém nunca lhe dissera que era um explorado.
– Rosinha, você pode me dizer o que a gente deve fazer?
Rosinha Lituana explica o mecanismo da exploração capitalista.
– O dono da fábrica rouba de cada operário o maior pedaço do dia de trabalho. É assim que enriquece à nossa custa!
– Quem foi que te disse isso?
– Você não enxerga? Não vê os automóveis dos que não trabalham e a nossa miséria?
– Você quer que eu arrebente o automóvel dele?
– Se você fizer isso sozinho, irá para a cadeia e o patrão continuará
passeando noutro automóvel. Mas felizmente existe um partido, o partido
dos trabalhadores, que é quem dirige a luta para fazer a revolução social.
– Os tenentes?
– Não. Os tenentes são fascistas.
– Então o quê?
– O Partido Comunista...
ÓPIO DE COR
– Corina, você não percebe quem é o Arnaldo? Ele não passa de um horrível burguês! Logo se saciará de você! Eles são sempre assim...
– Mas nós somos noivos...
– Ele nunca se casará com você. Ele não terá a coragem de procurar uma esposa fora de sua classe. O que ele faz é só seduzir as pequenas como você que desconhecem o abismo que nos separa dele.
Otávia, tomada de proselitismo, continua falando. Corina ouve, mas não acredita e se aborrece. É a única pessoa que a recolhe. Chegam juntas à casinha da Rua João Boemer. Rosinha Lituana está no portão, num enorme avental colorido.
– Uma boa notícia, Otávia. Arranjei lugar pra você na Ítalo! Você pode deixar a oficina. E ganhar mais cinco mil réis por mês! Aperta a mão da Corina.
– Ela vem morar comigo, conta Otávia. Passe no portão hoje de noite.
Vamos juntas na reunião.
p.47
PROLETARIAZAÇÃO
Otávia percebe que gosta de Alfredo.
Os seus desvios afinal são naturais e insignificantes. Ele não representa
para ela só um companheiro de ideal social e de lutas.
A sua integração na causa proletária a alegra como uma menina. Por
quê?
Ele chega. São sete horas da noite. Não há sindicato nem comício.
Inútil falsear a situação.
– Você quer ser minha companheira, Otávia?
– Quero.
Beijam-se subitamente sexualizados. p.102
casamento e ascenção social
– Abenção, papai!
– Deus te abençoe minha filha.
Eleonora adormece, pensando. Está tudo certo. Aquele ela não pegará mais! É tratar de esconder dos pais e arranjar um trouxa!
Mas não foi preciso. Eleonora casou no juiz com o rico herdeiro que ambicionava. É madame Alfredo Rocha. Agora vai para a sociedade. Passa com ele as portas de ouro da grande burguesia.
p.35-36
A garçoniere de Arnaldo abre para ela o seu segredo desejado. Mais uma no divã turco.
Também tanta gulodice! Tanta coisa gostosa para aquele estômago queimando de jejum. Uma garrafa aberta. É tão simples. Uma cabeça inexperiente nos almofadões, sonolenta. As bocas sexuais se chupam. As pernas se provocam.
Choro súbito e toalete. Arrependimento, medo, carícias.
Corina acha o amante frio na despedida.
– Não conte para ninguém.
Chora na oficina. As outras pensam que é por causa do padrasto terrível.
p.26
Corina remenda, esforçando a vista.
Por que nascera mulata? É tão bonita! Quando se pinta, então! O diabo é a cor! Por que essa diferença das outras! O filho era dele também. E se saísse assim, com a sua cor de rosa seca! Por que os pretos têm filhos? Xi!
Se o Florino soubesse da gravidez! Tem ímpetos de contar pra mãe. Adora a criancinha que vai vir! Que tamanho estará agora? Já terá olhinhos? E a mãozinha?
O vômito engasga o riso. [...]
– Como está enorme! Quem é que não enxerga, meu Deus!
p.44
Chega cedo. Senta-se num banco do Anhangabaú. O automóvel com duco novo, para. É o seu amor.
– Você hoje não pode? Mas eu estou sem casa!
Conta-lhe como saíra da Vila Simeone. Não quisera abortar. Madame pusera-a para fora do emprego.
Deixa cair uma nota e grita desembraiando:
– Não perca! São cem paus!
A baratinha fonfona a ilusão da Corina. Ficou como um trapo no Anhangabaú. Meia dúzia de choferes comentam a gravidez e as pernas sem meias.
A chuvinha que cai é maior do que o choro dela. Desbota a chita degrandes bolas.
Com sua mãe fora assim mesmo!
p. 48
– A senhora espera todo o dia e ele nunca vem.
Corina se levanta.
Num balanço, uma criança sem calças lambe as velas verdes do nariz.
– Volto amanhã. Se ele vier... Tem bigode. É português mas parece brasileiro.
– Se a senhora quer uma pinga eu pago.
– Se aceito... Estou morrendo de frio. Olha. Nem posso pegar na bolsa.
Mostra as mãos duras. Adiante uma vitrina de broas douradas.
– Mas se você quisesse... Eu prefiro o pão.
p.109
PODCAST | 451 - Pagu, presente!
Ciclo da autora homenageada | Poéticas de Pagu
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