Os fundamentos da Tolerância
Montesquieu (1689 – 1755)
Voltaire (1694-1778)
E exatamente para que este mundo se tornasse mais civilizado e a vida mais suportável, Voltaire travou durante toda a sua vida a batalha pela tolerância.
Para ele, a tolerância encontra seu fundamento teórico no fato de que, conforme demonstraram homens como Cassendi e Locke, apenas com as nossas próprias forças nós não podemos saber nada dos segredos do Criador. Não sabemos que é Deus, nem o que é a alma e muitas outras coisas. Mas há quem se arrogue o direito divino da onisciência – e daí a tolerância.
No verbete “tolerância”, do Dicionário filosófico, podemos ler: “O que é a tolerância? É o apanágio da humanidade. Nós todos estamos prenhes de fraqueza e de erros: perdoemo-nos reciprocamente nossas bobagens, essa é a primeira lei da natureza”.
Nosso conhecimento é limitado e nós todos estamos sujeitos ao erro, nisso reside a razão da tolerância recíproca: “Em todas as outras ciências nós estamos sujeitos ao erro. Qual teólogo, tomista ou escotista, ousaria então sustentar seriamente que está absolutamente seguro de sua posição? No entanto, as religiões estão armadas umas contra as outras e, no interior das religiões, as seitas geralmente são terríveis no combate recíproco.
Entretanto, diz Voltaire, está claro que “nós devemos nos tolerar mutualmente, porque somos todos fracos, incoerentes, sujeitos à inconstância e ao erro. Será que um junco dobrado pelo vento contra a lama deverá dizer ao junco seu vizinho, dobrado em sentido contrário, que ele, miserável, deve dobrar-se como está se dobrando o primeiro, sob pena de denunciá-lo para fazê-lo ser arrancado e queimado? A intolerância se entrelaça com a tirania. E o tirano é aquele soberano que não conhece outras leis além de seus caprichos, que se apropria dos haveres de seus súditos, e depois o recruta pra que tomem os bens dos vizinhos.
“(...) uma tão horrível discórdia, que dura há tantos séculos, é uma claríssima lição de que devemos perdoar uns aos outros nossos erros: a discórdia é a grande peste do gênero humano e a tolerância é o seu único remédio”.
Deísmo
Montesquieu transpondo para o estudo da sociedade os critérios do método experimental, foi um dos pais da sociologia. Partilhou da fé iluminista na perfectibilidade do homem e da sociedade, renunciou à busca da melhor forma de Estado, cara à literatura utópica, e tentou restabelecer concretamente as condições que garantem nos diversos regimes políticos o optimum da convivência civil: a liberdade.
Em sua obra-prima, O espírito das leis (1748), Montesquieu aplica completamente aos fatos sociais a análise empírica segundo o método das ciências naturais. O espírito das leis é o conjunto de relações (geográficas, climáticas, religiosas, econômicas, morais etc.) que caracterizam um conjunto de leis positivas e históricas, que regulam os comportamentos e as relações humanas nas diversas sociedades.
Montesquieu (1689 – 1755)
Para Voltaire, como para Newton, Deus é o grande engenheiro ou mecânico que idealizou, criou e regulou o sistema do mundo.
O relógio é uma prova insofismável de que existe o relojoeiro. E Deus, na opinião de Voltaire, existe porque existe a ordem do mundo. Em suma, a existência de Deus é atestada pelas “simples e sublimes leis em virtudes das quais os mundos celestes correm no abismo dos espaços.
Deus existe. Mas também existe o mal. Como conciliar a presença maciça do mal com a existência de Deus? A resposta de Voltaire é que Deus criou a ordem do universo físico, mas que a história é uma questão dos homens.
Esse é o núcleo doutrinário do deísmo. O deísta é alguém que sabe que Deus existe. Mas, como escreve Voltaire no Dicionário filosófico, “o deísta ignora como Deus pune, favorece e perdoa, porque não é tão temerário a ponto de iludir-se que conhece como Deus age”.
Otimismo – Pessimismo
lei e governo
Poderes
A obra maior de Montesquieu não é apenas análise descritiva e teoria política explicativa, mas é também dominada pela grande paixão pela liberdade. Montesquieu, com efeito, busca na história e na teoria as condições efetivas que permitem a fruição da liberdade. Em particular, ele teoriza a divisão dos poderes, que é um fulcro inextirpável da teoria do Estado de direito e da prática da vida democrática.
Em um Estado, com efeito, a liberdade consiste no direito de fazer tudo aquilo que é permitido pelas leis, nesse sentido, as leis não limitam a liberdade, ao contrário, a asseguram para cada cidadão, e a condição política e jurídica da liberdade põe-se, segundo Montesquieu, na divisão dos três poderes do Estado: o poder legislativo, o executivo e o judiciário. Quando dois ou até todos os três poderes se concentram em uma mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistrados, estão a liberdade não existe mais.
Conforme já acenamos acima, segundo Voltaire negar o mal é absurdo. O mal existe: os horrores da maldade humana e as penas dos catástrofes naturais não são invenções dos poetas. São fatos nus e crus que se chocam com força decisiva contra o otimismo dos filósofos, contra a ideia do “melhor dos mundos possíveis”
Se é verdade que tudo um dia ficará bem constitui a nossa esperança, entretanto é ilusão sustentar que tudo está bem hoje em dia. Mas Voltaire não critica apenas a interpretação abstrata deste nosso mundo como “o melhor dos mundos possíveis”, mas, ao contrário, critica em contraponto todas as maldades que caracterizam o mundo como efetivamente vai.
Mas o que se pode fazer então, para sair dos males do mundo?
Voltaire o diz como conclusão do relato com duas afirmações significativas: “trabalhemos sem discutir, pois é o único modo de tornar suportável a vida”; e sobretudo: “é preciso cultivar nossa horta”.
Esse cultivar nossa horta não fuga dos compromissos da vida, mas o modo mais digno para vivê-la e para mudar a realidade naquilo que nos é possível.
Nem tudo é mal e nem tudo é bem. O mundo, porém, está cheio de problemas. Cabe a cada um de nós não eludir os nossos problemas, e sim enfrenta-los, fazendo aquilo que for possível para resolvê-los.
A lei é, em geral, a razão humana, enquanto governa todos os povos da terra, enquanto as leis políticas não devem ser mais que os casos particulares aos quais se aplica a razão humana. As leis e os sistemas políticos são, portanto, necessariamente diversos de povo para povo, mas é possível, em todo caso, individuar três formas típicas de governo:
1- O republicano, em que o poder soberano é possuído pelo povo em sua totalidade, ou por uma parte dele.
2- O monárquico, em que é um só homem que governa, mas em base a leis fixas e imutáveis;
3- O despótico em que um só governa sem lei ou regra, decidindo cada coisa em base à sua virtude ou capricho.
Estas três formas típicas de governo são inspiradas em três princípios éticos:
1- A virtude para a forma republicana;
2- A honra para a monárquica;
3- O medo para a despótica.
As duas primeiras formas podem se corromper, e isso ocorre quando a corrupção atinge em primeiro lugar seu princípio ético; a terceira forma, a despótica, é, ao contrário, já corrompida por natureza.