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Transcript

O Sentimento dum Ocidental - Noite Fechada (II parte), de Cesário Verde

Ana Antunes e Mariana Menezes

Toca-se às grades, nas cadeias. Som

Que mortifica e deixa umas loucuras mansas!

O Aljube, em que hoje estão velhinhas e crianças,

Bem raramente encerra uma mulher de <<dom>>!

E eu desconfio, até, de um aneurisma

Tão mórbido me sinto, ao acender das luzes;

À vista das prisões, da velha Sé, das Cruzes,

Chora-me o coração que se enche e que se abisma.

A espaços, iluminam-se os andares,

E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos

Alastram em lençol os seus reflexos brancos;

E a Lua lembra o circo e os jogos malabares.

Duas igrejas, num saudoso largo,

Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero:

Nelas esfumo um ermo inquisidor severo,

Assim que pela História eu me aventuro e alargo.

Na parte que abateu no terremoto,

Muram-me as construções rectas, iguais, crescidas;

Afrontam-me, no resto, as íngremes subidas,

E os sinos dum tanger monástico e devoto.

Mas, num recinto público e vulgar,

Com bancos de namoro e exíguas pimenteiras,

Brônzeo, monumental, de proporções guerreiras,

Um épico doutrora ascende, num pilar!

E eu sonho o Cólera, imagino a Febre,

Nesta acumulação de corpos enfezados;

Sombrios e espectrais recolhem os soldados;

Inflama-se um palácio em face de um casebre.

Partem patrulhas de cavalaria

Dos arcos dos quartéis que foram já conventos:

Idade Média! A pé, outras, a passos lentos,

Derramam-se por toda a capital, que esfria.

Triste cidade! Eu temo que me avives

Uma paixão defunta! Aos lampiões distantes,

Enlutam-me, alvejando, as tuas elegantes,

Curvadas a sorrir às montras dos ourives.

E mais: as costureiras, as floristas

Descem dos magasins, causam-me sobressaltos;

Custa-lhes a elevar os seus pescoços altos

E muitas delas são comparsas ou coristas.

E eu, de luneta de uma lente só,

Eu acho sempre assunto a quadros revoltados:

Entro na brasserie; às mesas de emigrados,

Ao riso e à crua luz joga-se o dominó.

Estilo

  • Utilização de tempos verbais na 1.ª pessoa do singular.
  • Utilização dos pronomes pessoais: "me" e "eu".
  • Marcas do sujeito poético ao longo do poema:
  • Uso da dupla adjectivação,
  • Metáfora
  • Enumeração
  • Perífrase
  • Hipérbato
  • Hipálage
  • Personificação

Estrutura interna

Tempo Espaço Personagens Estados de alma do poeta

Estrutura interna

Tempo Espaço Personagens Estados de alma do poeta

Estrutura externa

 Cada estrofe é uma quadra (4 vv).

 11 quadras

 Esquema rimático: ABBA CDDC EFFE GHHG IJJI KLLK MNNM OPPO QRRQ STTS UVVU

 Métrica: O 1º verso de cada quadra é decassilábico e os restantes são alexandrinos (12 sílabas métricas)

 Tipos de rima: Emparelhada e interpolada

 Rimas: Consoantes

Toca-se às grades, nas cadeias. Som

Que mortifica e deixa umas loucuras mansas!

O Aljube, em que hoje estão velhinhas e crianças,

Bem raramente encerra uma mulher de <<dom>>!

Tema e análise

 auditivas - "Toca-se as grades, nas cadeias. Som / Que mortifica e deixa umas loucuras mansas!", "E os sinos dum tanger monástico e devoto.", "... ao riso...";

 visuais - "... ao acender das luzes", "à crua luz";

 térmicas - "Derramam-se por toda a capital, que esfria".

Noite Fechada

Tema: Desigualdade social

  • Passeio de Cesário Verde que acompanha o anoitecer em Lisboa

  • Descriçao da realidade que o rodeia e descontentamento em relaçao à mesma

Prisão escura

O sujeito poético continua o seu percurso enumerando os novos espaços que observa:

 as cadeias

 o Aljube

 a "velha Sé"

 os andares

 as tascas

 os cafés

 as tendas

 os estancos

 as igrejas

 "as íngremes subidas"

 "o recinto público e vulgar"

 "um palácio em face de um casebre"

 os quartéis

 as "montras dos ourives"

 os magasins

 a brasserie

Lugar despovoado e solitário

Som ou toque de um instrumento

Insuficientes

Duro, inflexível

Que tem o carácter de um espectro, dum fantasma.

Poste de iluminação

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