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Adriana Silva nº1
Mariana Silva nº23
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"Testamento"
Preparem minha filha para a vida
se eu morrer de avião
e ficar despegada do meu corpo
e for átomo livre lá no céu
Que se lembre de mim
a minha filha
e mais tarde que diga à sua filha
que eu voei lá no céu
e fui contentamento deslumbrado
ao ver na sua casa as contas de somar erradas
e as batatas no saco esquecidas
e íntegras
Ana Luísa Amaral
Vou partir de avião
e o medo das alturas misturado comigo
faz-me tomar calmantes
e ter sonhos confusos
Se eu morrer
quero que a minha filha não se esqueça de mim
que alguém lhe cante mesmo com voz desafinada
e que lhe ofereçam fantasia
mais que um horário certo
ou uma cama bem feita
Deem-lhe amor e ver
dentro das coisas
sonhar com sóis azuis e céus brilhantes
em vez de lhe ensinarem contas de somar
e a descascar batatas
Na segunda estrofe, o sujeito poético refere-se ao canto, pois tem uma filha pequena e deseja que a mesma tenha uma história ou mesmo um canto para a embalar antes de adormecer. Esta referência liga-se com o amor, presente na terceira estrofe, pois a mãe deseja que a filha receba todo o amor, mesmo depois da morte da mãe.
O sujeito poético refere-se ainda à fantasia e ao sonho, presentes na segunda e terceira estrofes, respetivamente, porque deseja igualmente que ofereçam fantasia à filha, pois a criatividade permite que a criança sonhe com algo diferente da realidade.
Desta forma, conclui-se que nestas duas estrofes está presente a síntese do desejo do sujeito poético em relação à filha: pretende que lhe sejam transmitidos, principalmente, princípios e valores como a alegria, o otimismo, o amor e o sonho.
As alusões “horário certo” (v.9), “cama bem feita” (v.10), “contas de somar” (v.14) e “descascar batatas” (v.15) estão diretamente relacionadas com o quotidiano, com tarefas que são realizadas diariamente, mas que o sujeito poético quer que assumam na vida da filha uma menos importância em relação ao canto, à fantasia, ao amor e ao sonho.
Para o sujeito poético, preparar a filha para a vida, significa dar-lhe amor e fazê-la sonhar, e não prepará-la para as tarefas do quotidiano.
Desta forma, os últimos quatro versos deste poema ligam-se com o significado que a mãe dá a “preparar a minha filha/para a vida” (vv.16-17), pois mostram o que traz alegria ao “eu” poético, que é a valorização do amor, do sonho e da fantasia, desvalorizando o quotidiano banal e material, que é ver as contas de somas erradas e as batatas que ficaram esquecidas e por descascar.
No poema estão presentes, por um lado, as “representações do contemporâneo”, na referência à viagem de avião. E por outro lado, a “figuração do poeta”, que se verifica no modelo de educação que o poeta defende: igualdade de género ou emancipação feminina presente na desvalorização das tarefas domésticas e na defesa do “canto”, do “sonho”, da “fantasia” e do “amor”.