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http://www.paiogun.com/orixas.htm
https://professordanillo.files.wordpress.com/2016/06/poemas-jorge-de-lima.pdf
O cabo mulato balança a batuta,
meneia a cabeça, acorda com a vista
os bombos, as caixas, os baixos e as trompas.
(No centro da Praça o busto de D. Pedro escuta.) —
Batuta pra esquerda: relincham clarins,
requintas, tintins e as vozes meninas da banda do 20.
Batuta à direita: de novo os trombones
e as trompas soluçam. E os bombos e as caixas: ban-ban!
Vêm logo operários, meninas, cafuzas,
mulatos, portugas, vem tudo pra ali.
Vem tudo, parecem formigas de asas
rodando, rodando em torno da luz.
Nos bancos da Praça conversas acesas,
apertos, beijocas, talvezes.
D. Pedro II espia do alto.
(As barbas tão alvas
tão alvas nem sei!)
E os pares passeiam,
parece que dançam,
que dançam ciranda,
em torno do Rei.
Nossa Senhora, minha madrinha,
tu vês as coisas verdes, não é?
Meus olhos pretos, coitados deles!
Teus olhos verdes, felizes deles,
minha madrinha, Nossa Senhora da Conceição!
Nossa Senhora, dá-me teus olhos
para eu ver com eles meus pobres olhos.
Coitados deles, minha madrinha,
só vêem as coisas como elas são.
Nossa Senhora, minha madrinha
pinta meus olhos, que eu quero ver
verdes os dias que inda virão.
Nossa Senhora, minha madrinha,
tu vês as coisas verdes, não é?
Teus olhos verdes, felizes deles!
Meus olhos pretos, cor de carvão!
Nossa Senhora, minha madrinha,
tu vês meus olhos como eles são?
As cantigas lavam a roupa das lavadeiras.
As cantigas são tão bonitas,
que as lavadeiras ficam tão tristes, tão pensativas!
As cantigas tangem os bois dos boiadeiros! —
Os bois são morosos, a carga é tão grande!
O caminho é tão comprido que não tem fim.
As cantigas são leves...
E as cantigas levam os bois,
batem a roupa
das lavadeiras.
As almas negras pesam tanto, são
tão sujas como a roupa, tão pesadas
como os bois...
As cantigas são tão boas...
Lavam as almas dos pecadores!
Levam as almas dos pecadores!
http://ganhadeirasdeitapua.blogspot.com.br/p/letras.html
Breu, Xênia França
Era princesa.
Um libata a adquiriu por um caco de espelho.
Veio encangada para o litoral,
arrastada pelos comboieiros.
Peça muito boa: não faltava um dente
e era mais bonita que qualquer inglesa.
No tombadilho o capitão deflorou-a.
Em nagô elevou a voz para Oxalá.
Pôs-se a coçar-se porque ele não ouviu.
Navio guerreiro? não, navio tumbeiro.
Depois foi ferrada com uma âncora nas ancas,
depois foi possuída pelos marinheiros,
depois passou pela alfândega,
depois saiu do Valongo,
entrou no amor do feitor,
apaixonou o Sinhô,
enciumou a Sinhá,
apanhou, apanhou, apanhou,
Fugiu para o mato.
Capitão do campo a levou.
Pegou-se com os orixás:
fez bobó de inhame
para Sinhô comer,
fez aluá para ele beber,
fez mandinga para o Sinhô a amar.
A Sinhá mandou arrebentar-lhe os dentes:
Fute, Cafute, Pé-de-pato, Não-sei-que-diga.
avança na branca e me vinga.
Exu escangalha ela, amofina ela,
amuxila ela que eu não tenho defesa de homem,
sou só uma mulher perdida neste mundão.
Neste mundão.
Louvado seja Oxalá.
Para sempre seja louvado.
Punhos de redes embalaram o meu canto
para adoçar o meu país, ó Whitman.
Jenipapo coloriu o meu corpo contra os maus-olhados,
catecismo me ensinou a abraçar os hóspedes,
carumã me alimentou quando eu era criança,
Mãe-negra me contou histórias de bicho,
moleque me ensinou safadezas,
massoca, tapioca, pipoca, tudo comi,
bebi cachaça com caju para limpar-me,
tive maleita, catapora e ínguas,
bicho-de-pé, saudade, poesia;
fiquei aluado, mal-assombrado, tocando maracá,
dizendo coisas, brincando com as crioulas,
vendo espíritos, abusões, mães-d’água,
conversando com os malucos, conversando sozinho,
emprenhando tudo que encontrava,
abraçando as cobras pelos matos,
me misturando, me sumindo, me acabando,
para salvar a minha alma benzida
e meu corpo pintado de urucu,
tatuado de cruzes, de corações, de mãos-ligadas,
de nomes de amor em todas as línguas de branco, de mouro ou de pagão.
maleita - malária
ficar aluado - ficar distraído; ter acessos de loucura
Rei é Oxalá que nasceu sem se criar.
Rainha é Iemanjá que pariu Oxalá sem se manchar.
Grande santo é Ogum em seu cavalo encantado.
Eu cumba vos dou curau. Dai-me licença angana.
Porque a vós respeito,
e a vós peço vingança
contra os demais aleguás e capiangos brancos.
Agô!
que nos escravizam, que nos exploram,
a nós operários africanos,
servos do mundo,
servos dos outros servos.
Oxalá! Iemanjá! Ogum!
Há mais de dois mil anos o meu grito nasceu!
Nhem-nhem-nhem
Nhem-nhem-nhem-xorodô
Nhem-nhem-nhem-xorodô
É o mar,
é o mar
Fé-fé xorodô!
olubó - pirão
caruru
oguedê de banana
Quando ele vem,
vem zunindo como o vento,
como mangangá, como capeta,
como bango-balango, como marimbondo. Donde que é que ele vem?
Vem de Oxalá, vem de Oxalá,
vem do oco do mundo,
vem do assopro de Oxalá,
vem do oco do mundo.
Quer é comer.
Quer é caruru de peixe,
quer é efó de inhame,
quer é oguedé de banana,
quer é olubó de macaxeira,
quer é pimenta malagueta.
Quando ele chega, tudo fica banzando à toa, esbodegado, enquizilado, enguiçado, enfezado. Quando ele entra,
dá vontade na gente de embrenhar-se no mato, de esparramar-se no chão,
de encalombar o rosto com as mãos,
de amunhecar no cansanção,
de esbanguelar os dentes nas pedras,
virar pé-de-vento,
sumir no assopro de Oxalá.
E dentro do assopro de Oxalá
virar cochicho nos ouvidos dela,
xodozar todo o santo dia,
catar cafunés invisíveis,
rolar dentro das suas anáguas, bambeando o corpo dela,
babatando sem rumo,
amuxilado,
acuado diante das suas mungangas, engambelado, tatambeado, fumado.
Mulher proletária — única fábrica
que o operário tem, (fábrica de filhos)
tu
na tua superprodução de máquina humana
forneces anjos para o Senhor Jesus,
forneces braços para o senhor burguês.
Mulher proletária,
o operário, teu proprietário
há de ver, há de ver:
a tua produção,
a tua superprodução,
ao contrário das máquinas burguesas
salvar teu proprietário.
Este poema de amor não é lamento
nem tristeza distante, nem saudade,
nem queixume traído nem o lento
perpassar da paixão ou pranto que há-de
transformar-se em dorido pensamento,
em tortura querida ou em piedade
ou simplesmente em mito, doce invento,
e exaltada visã da adversidade.
É a memória ondulante da mais pura
e doce face (intérmina e tranqüila)
da eterna bem-amada que eu procuro;
mas tão real, tão presente criatura
que é preciso não vê-la nem possuí-Ia
mas procurá-Ia nesse vale obscuro.
Amada, não penses,
escutemos a chuva que o inverno chegou.
Sejamos as árvores que Deus semeou
sem nunca O ouvir, sem nunca O olhar
serenos, morramos sem nos separar.
Renunciemos, amada, os vãos pensamentos,
cumpramos apenas a lei do Senhor
sem nunca O ouvir, sem nunca O tocar,
sem nunca duvidar, duvidar, duvidar.
Soframos, amada, sem nos lamentar.
Sejamos as árvores que Deus esqueceu, .
que o vento abalou e o raio abateu.
Amada! Amada!
Bem-aventurado quem já morreu. Escutemos a chuva,
que a chuva é de Deus!
Na “Nota preliminar” escrita para a primeira edição do livro Poemas negros, de Jorge de Lima, o antropólogo Gilberto Freyre afirma que, graças à “interpretação de culturas, entre nós tão livre”, e graças ao “cruzamento de raças”, “o Brasil vai-se adoçando numa das comunidades mais genuinamente democráticas e cristãs do nosso tempo”. Com base no poema “Democracia”, responda às questões que se seguem.
DEMOCRACIA
Punhos de rede embalaram o meu canto
para adoçar o meu país, ó Whitman.
Jenipapo coloriu o meu corpo contra os maus olhados,
catecismo me ensinou a abraçar os hóspedes,
carumã me alimentou quando eu era criança,
Mãe-negra me contou histórias de bicho,
moleque me ensinou safadezas,
massoca, tapioca, pipoca, tudo comi,
bebi cachaça com caju para limpar-me,
tive maleita, catapora e ínguas,
bicho-de-pé, saudade, poesia;
fiquei aluado, mal-assombrado, tocando maracá,
dizendo coisas, brincando com as crioulas,
vendo espíritos, abusões, mães-d’água,
conversando com os malucos, conversando sozinho,
emprenhando tudo que encontrava,
abraçando as cobras pelos matos,
me misturando, me sumindo, me acabando,
para salvar a minha alma benzida
e meu corpo pintado de urucu,
tatuado de cruzes, de corações, de mãos-ligadas,
de nomes de amor em todas as línguas de branco,
[de mouro ou de pagão.
(Jorge de Lima, Poesias completas, v. I. Rio de Janeiro/Brasília: J. Aguilar/INL, 1974, p.160, 164-165.)
a) Segundo o texto de Gilberto Freyre, “adoçamento” está relacionado ao “cruzamento de raças” e à “interpretação de culturas [...] tão livre”, ideia retirada do início do poema: “Punhos de rede embalaram o meu canto / para adoçar o meu país, ó Whitman”. Pode-se observar essa mistura na formação do poema, como em: “catecismo me ensinou a abraçar os hóspedes”, “carumã me alimentou quando eu era criança” e “bebi cachaça com caju para limpar-me”. Trata-se de passagens que apontam as culturas branca, indígena e negra, respectivamente, fundamentais para a visão do poeta.
b) Considerando elementos da composição do poema, explique de que maneira a ideia de “democracia”, presente no título, manifesta-se no texto.
A ideia de democracia manifesta-se no texto por uma concepção de “sincretismo cultural”, que decorre do cruzamento de raças. Desse modo, a composição do poema, em suas escolhas vocabulares, contempla essa mistura linguística. Assim, trata-se muito mais de uma democracia cultural do que predominantemente política, como se observa nos últimos cinco versos do excerto.
“Sapo não pula por boniteza, mas porém por percisão.”
(“Provérbio capiau” citado em epígrafe no conto “A hora e a vez de Augusto Matraga”, em João Guimarães Rosa, Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015, p.287.)
Elementos textuais que antecedem a narrativa como, por exemplo, o provérbio citado, funcionam, em alguns autores, como pista para se entender o sentido das ações ficcionais.
No excerto acima, as ideias de beleza e necessidade são contrapostas com vistas à produção de um sentido de ordem moral. Considerando-se a jornada heroica de Augusto Matraga, é correto afirmar que a narrativa
a) contradiz o sentido moral do provérbio, uma vez que o protagonista não é fiel ao seu propósito de mudar os hábitos antigos.
b) confirma o sentido moral do provérbio, uma vez que o protagonista realiza uma série de ações para corrigir seu caráter e reordenar eticamente sua vida.
c) ratifica o sentido moral do provérbio, uma vez que o protagonista é seduzido pelos encantos da natureza e pelos prazeres da bebida e do fumo.
d) refuta o sentido moral do provérbio, uma vez que o protagonista não consegue agir sem as motivações da beleza física e do afeto femininos.
A poesia de Jorge de Lima perpassa pela religiosidade santeira, ora malandra e regateadora, ora assustada e supersticiosa, pela cultura das festas e folguedos de rua, pelos afetos derramados que revestem o conflituoso convívio entre miseráveis e poderosos.
Fábio de Sousa Andrade