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Flores velhas

melissandre bonnot nº17

Aspetos biográficos de Cesário Verde

BIOGRAFIA

Cesário Verde foi um poeta português, nascido em Lisboa a 25 de fevereiro de 1855. Iniciou o curso de Letras, mas não o concluiu. Morreria em 1886, aos 31 anos, vítima, de tuberculose. Os poemas que deixou foram reunidos, após sua morte, no volume O Livro de Cesário Verde.

poema

Fui ontem visitar o jardinzinho agreste,

Aonde tanta vez a lua nos beijou,

E em tudo vi sorrir o amor que tu me deste,

Soberba como um sol, serena como um voo.

 

Em tudo cintilava o límpido poema

Com ósculos rimado às luzes dos planetas;

A abelha inda zumbia em torno da alfazema;

E ondulava o matiz das leves borboletas.

 

Em tudo eu pude ver ainda a tua imagem,

A imagem que inspirava os castos madrigais;

E as vibrações, o rio, os astros, a paisagem,

Traziam-me à memória idílios imortais.

 

Diziam-me que tu, no flórido passado,

Detinhas sobre mim, ao pé daquelas rosas,

Aquele teu olhar moroso e delicado,

Que fala de langor e de emoções mimosas;…

E, ó pálida Clarisse, ó alma ardente e pura,

Que não me desgostou nem uma vez sequer,

Eu não sabia haurir do cálix da ventura

O néctar que nos vem dos mimos da mulher.

 

Falou-me tudo, tudo, em tons comovedores,

Do nosso amor, que uniu as almas de dois entes;

As falas quase irmãs do vento com as flores

E a mole exalação das várzeas rescendentes.

 

Inda pensei ouvir aquelas coisas mansas

No ninho de afeições criado para ti,

Por entre o riso claro, e as vozes das crianças,

E as nuvens que esbocei, e os sonhos que nutri.

 

Lembrei-me muito, muito, ó símbolo das santas,

Do tempo em que eu soltava as notas inspiradas,

E sob aquele céu e sobre aquelas plantas

Bebemos o elixir das tardes perfumadas.

E nosso bom romance escrito num desterro,

Com beijos sem ruído em noites sem luar,

Fizeram-mo reler, mais tristes que um enterro,

Os goivos, a baunilha e as rosas-de-toucar.

 

Mas tu agora nunca, ah! Nunca mais te sentas

Nos bancos de tijolo em musgo atapetados,

E eu não te beijarei, às horas sonolentas,

Os dedos de marfim, polidos e delgados...

 

Eu, por não ter sabido amar os movimentos

Da estrofe mais ideal das harmonias mudas,

Eu sinto as decepções e os grandes desalentos

E tenho um riso mau como o sorrir de Judas.

 

E tudo enfim passou, passou como uma pena

Que o mar leva no dorso exposto aos vendavais,

E aquela doce vida, aquela vida amena,

Ah! nunca mais virá, meu lírio, nunca mais!

Ó minha boa amiga, ó minha meiga amante!

Quando ontem eu pisei, bem magro e bem curvado,

A areia em que rangia a saia roçagante,

Que foi na minha vida o céu aurirrosado,

 

Eu tinha tão impresso o cunho da saudade,

Que as ondas que formei das suas ilusões

Fizeram-me enganar na minha soledade

E as asas ir abrindo às minhas impressões.

 

Soltei com devoção lembranças inda escravas,

No espaço construí fantásticos castelos,

No tanque debrucei-me em que te debruçavas,

E onde o luar parava os raios amarelos.

 

Cuidei até sentir, mais doce que uma prece,

Suster a minha fé, num véu consolador,

O teu divino olhar que as pedras amolece,

E há muito me prendeu nos cárceres do amor.

Os teus pequenos pés, aqueles pés suaves,

Julguei-os esconder por entre as minhas mãos,

E imaginei ouvir ao conversar das aves

As célicas canções dos anjos teus irmãos.

 

E como na minha alma a luz era uma aurora,

A aragem ao passar parece que me trouxe

O som da tua voz, metálica, sonora,

E o teu perfume forte, o teu perfume doce.

 

Agonizava o Sol gostosa e lentamente,

Um sino que tangia, austero e com vagar,

Vestia de tristeza esta paixão veemente,

Esta doença enfim, que a morte há-de curar.

 

E quando me envolveu a noite, noite fria,

Eu trouxe do jardim duas saudades roxas,

E vim a meditar em quem me cerraria,

Depois de eu morrer, as pálpebras já frouxas.

 

Pois que, minha adorada, eu peço que não creias

Que eu amo esta existência e não lhe queira um fim;

Há tempos que não sinto o sangue pelas veias

E a campa talvez seja afável para mim.

 

Portanto, eu, que não cedo às atracções do gozo,

Sem custo hei-de deixar as mágoas deste mundo,

E, ó pálida mulher, de longo olhar piedoso,

Em breve te olharei calado e moribundo.

 

Mas quero só fugir das coisas e dos seres,

Só quero abandonar a vida triste e má

Na véspera do dia em que também morreres,

Morreres de pesar, por eu não viver já!

 

E não virás, chorosa, aos rústicos tapetes,

Com lágrimas regar as plantações ruins;

E esperarão por ti, naqueles alegretes,

As dálias a chorar nos braços dos jasmins!

estrutura interna

Podemos dividir o poema em quatro partes lógicas.

estrutura interna

1º parte

A primeira parte engloba as primeiras nove estrofes, onde o sujeito poético relembra da sua recente visita ao jardim, associando os elementos da Natureza à própria experiência amorosa que ali viveu. .

2º parte

2º parte

A segunda parte vai da décima à décima quarta quadra, na qual o sujeito poético apercebe-se , com arrependimento, de que o tempo não pode voltar atrás e que nunca reaverá aquele amor. Assim, recorre à autocrítica e confessa não ter compreendido o silêncio do amor passado. Faz também uma menção ao facto de as memórias, as “Flores Velhas”, que naquele momento estavam a ressurgir, terem sido apagadas temporariamente.

3º parte

A terceira parte vai da décima quinta à décima oitava quadra, onde o desgosto do sujeito poético faz que com que ele recorde as características da amada, passando mesmo a sentir ilusoriamente a presença desta.

4º parte

A quarta parte do poema estende-se desde a décima nona ao final do poema, onde o eu poético revela o seu desejo de morrer e ironiza, dizendo que quer que isso aconteça na véspera da morte da sua amada, para que esta morra de desgosto.

estrurura externa

-24 estrofes (4 versos )

-esquema rimático é /ABAB/

estrutura externa

RECURSOS ESTILÍSTICOS

Este poema é bastante rico em recursos estilísticos.

Alguns são:

-A adjectivação expressiva e abundante (“Os dedos de marfim, polidos e delgados...”)

-A comparação (“Soberba como um sol, serena como um voo.”)

-A repetição (“E o teu perfume forte, o teu perfume doce.”, “Falou-me tudo, tudo…”)

-A personificação (“As dálias a chorar nos braços dos jasmins!")

temática

cidade/campo

-A oposição cidade e campo conduz simbolocamente à oposição morte/vida.

Imagem Feminina

-Clarisse.

-Mulher do campo.

-Frágil.

-Olhar piedoso.

pintura girassois Van Gogh

cidade/campo

-A oposição cidade e campo conduz simbolocamente à oposição morte/vida.

Imagem Feminina

-Clarisse.

-Mulher do campo.

-Frágil.

-Olhar piedoso.

  • A beleza enfemera das flores
  • atmosfera de melancolia e nostalgia
  • Celebração da Natureza

TITLE

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