DIÁLOGOS COM ESTUDANTES DE ENSINO MÉDIO
A escola, a família, os/as amigos/as, a religião, a televisão, a internet, entre outras instâncias sociais e artefatos culturais produzem, reproduzem e atualizam estereótipos de gênero.
(CRUZ; PALMEIRA, 2009).
A origem do termo estereótipo advém do molde metálico de caracteres utilizado nas tipografias para a impressão mecânica e em série de documentos, jornais, revistas, etc.
(LYSARDO-DIAS, 2007).
Analisar a percepção dos/as estudantes de ensino médio acerca dos estereótipos de gênero e seus efeitos nas práticas corporais e esportivas, enfatizando a desconstrução dos mesmos de modo a privilegiar uma Educação Física mais equitativa.
Esta temática foi trabalhada em 3 intervenções de aproximadamente 2 horas cada uma.
4 turmas de Ensino Médio
Modo voluntário e termo de consentimento assinado pelos responsáveis.
Observações participantes no decorrer das oficinas
61 páginas digitadas provenientes do diário de campo.
“A dificuldade de aprendizagem do futebol pelas meninas e mulheres é resultante do nível inferior de desenvolvimento das habilidades requisitadas para a prática desse esporte”.
Primeira Questão do Questionário.
84,1%
4,8 %
11,1 %
Destacamos que o fato de um grande número de estudantes afirmarem concordar ou possuírem dúvidas denota que este estereótipo está muito presente nas aulas de Educação Física e, que de certo modo influencia no desenvolvimento das habilidades motoras das garotas, uma vez em que os garotos tentam afirmar uma suposta superioridade masculina nas quadras esportivas.
“As mulheres que praticam esportes têm a musculatura da perna muito desenvolvida, prejudicando seu corpo e sua feminilidade”
6,3%
3,2%
90,5%
Se há duas décadas os músculos eram considerados atributos dos corpos masculinos e marcavam a masculinidade padrão (DUNNING; MAGUIRE, 2010), hoje tal percepção não encontra o mesmo eco.
“As meninas têm menos oportunidades de treinar um esporte, pois não podem frequentar locais considerados perigosos”.
20,6%
46,1%
33,3%
Nos resultados da pesquisa, desponta um tipo de violência que retira a potencialidade da garota em solucionar um problema, como apresenta um trecho do diário de campo a seguir:
(...) ao serem questionados/as sobre os tipos de violências que aconteceram(...), uma garota manifestou indignação ao falar o seguinte: “Eu queria ficar no gol e ele falou: não, não fica no gol porque a gente já tá tomando muito gol. Como se eu não soubesse defender, e ele tomou vários gols ali”. (DIÁRIO DE CAMPO, 26/09/2017, TURMA 3)
“Nos jogos, as meninas são mais problemáticas. Elas menstruam e tem cólica. Isso atrapalha a competição”.
20,6%
69,9%
9,5%
Nota-se que a maioria discordou, mas as discussões posteriores mostraram diferentes posicionamentos, como apresentam os excertos do diário de campo:
Algumas meninas afirmaram que a menstruação não atrapalha, e outras afirmaram que é desconfortável. Uma garota afirmou que em dias de competição não é a cólica que atrapalha, mas a ansiedade. Outra garota disse atrapalhar, mas que existem remédios para não menstruar e, consequentemente, não ter cólicas. (DIÁRIO DE CAMPO, 28/08/2017, TURMA 1)
Um garoto afirmou que existem remédios para controlar as cólicas. Uma garota disse ser desconfortável, mas que joga da mesma forma. E, mais uma garota, disse que usa como desculpa para não jogar. (DIÁRIO DE CAMPO, 28/08/2017, TURMA 3)
“...a equidade na Educação Física exige conhecer, intervir e valorizar as singularidades de cada estudante presente em aula.”
Nessa perspectiva, professores/as ocupam posição central nas decisões em relação aos conteúdos, materiais e estratégias utilizadas em aula de modo a desenvolver as habilidades motoras de cada estudante.
Os/as alunos e alunas de ensino médio apresentaram sugestões para colocar sob questão os estereótipos de gênero no esporte, como apresenta o fragmento:
Falaram que podemos desconstruir estereótipos no esporte a partir de discussões, debates, rodas de conversas, ajudando os/as colegas que têm mais dificuldades nas aulas de Educação Física, entendendo que qualquer esporte é para ambos os gêneros, e até mesmo da forma como a pesquisadora estava propondo, a partir do jogo e das discussões. (DIÁRIO DE CAMPO, 28/08/2017, TURMA 3)
Neste estudo, ficou evidente que a problematização dos estereótipos de gênero no campo esportivo e nas aulas de Educação Física é imperativo.
O/a professor/a é responsável pelo modo como conduz e em que condições acontece a ação pedagógica e, portanto, os conteúdos, as estratégias, as metodologias e os materiais utilizados em aula devem atender as singularidades dos/as estudantes para que a educação seja equitativa.
Uma educação equitativa exige que os estereótipos sejam implodidos e requer professores/as atentos/as ao que seus alunos e suas alunas aprendem e como aprendem.
Educar é muito mais do que ensinar um gesto técnico em uma modalidade esportiva.
O ambiente esportivo consiste em um lugar de afirmação da identidade masculina e continua a ser um dos espaços sociais em que é visível a preservação de uma clara fronteira entre os gêneros (COELHO, 2009).
Atualmente, a representação das mulheres como competidoras em Jogos Olímpicos se equipara à dos homens.
Nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, competiram 4.676 mulheres e 5.892 homens, portanto a participação feminina correspondeu a 44% do total de atletas (COMITÊ OLÍMPICO INTERNACIONAL, 2012).
Na delegação brasileira observou-se também essa tendência à equiparação, uma vez que, de um total de 259 atletas, 123 (47%) eram mulheres (COMITÊ OLÍMPICO BRASILEIRO, 2012).
Entretanto, em cargos de comando esportivo, elas representam uma minoria.
Identificar as vias de acesso e estratégias utilizadas por treinadoras brasileiras para a sua inserção, ascensão e permanência no cargo.
Este estudo foi realizado com abordagem qualitativa, caracterizando-se como do tipo descritivo. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada.
A trajetória na vida esportiva, o acesso ao cargo de treinadora, a atuação e permanência na carreira, as dificuldades encontradas e a opinião das participantes quanto à ausência de outras mulheres na profissão.
Os sujeitos da pesquisa foram treze treinadoras brasileiras de diversas modalidades, atuantes em âmbito estadual, nacional e internacional.
Foi aplicado um formulário, para obter informações e caracterizar o perfil de cada informante : formação esportiva e acadêmica, e atuação profissional.
Acesso ao cargo e permanência na carreira
A primeira foi dividida em quatro subcategorias: transição de carreira, formas de acesso, requisitos da profissão e domínio masculino.
A segunda categoria foi subdividida em outras cinco – experiência como ex-atleta, estratégias de liderança, credibilidade, apoio de terceiros e motivação.
Os resultados serão apresentados e discutidos em três tópicos:
(1) perfil das informantes;
(2) Inserção e ascensão de mulheres como treinadoras; e (3) permanência na carreira.
As formas de acesso para treinadora muitas das vezes estão condicionadas à existência de "tutor"
"Quando eu terminei de jogar, aí eles me convidaram... Eu mesmo, eu tinha muita amizade com meu técnico. [...] Aí fui começando a trabalhar na base, alguns títulos vieram [...] E aquilo, se eu não tivesse tido o apoio do meu técnico, talvez eu não tivesse conseguido". (Treinadora 1, basquetebol).
A experiência como atleta com uma trajetória de destaque no alto rendimento também é um fator importante
"[...] eu liguei para a Confederação Brasileira e falei que estava parando como seleção e imediatamente eles me convidaram para eu ir para as olimpíadas para usar a minha experiência." (Treinadora 2, judô).
Uma das informantes do estudo acredita que, pelo fato de serem mulheres, para atuarem como treinadoras, elas precisam de maior preparação para serem capazes de enfrentar e resistir a todos os tipos de situações. As mulheres se deparam com a desconfiança de sua competência e a todo o tempo necessitam provar que são merecedoras de ocupar tal posição.
A maioria das atletas entrevistadas (n=12) considera a vivência como atleta como fator de grande importância na profissão. Ter sido atleta trata-se de um diferencial que, somado à formação acadêmica, faz com que uma treinadora seja completa em termos de conhecimentos
De acordo com a Treinadora 4 de uma equipe de futebol masculino, quando se trata de comandar atletas homens e ainda jogadores de futebol, o saber fazer não é somente um facilitador, mas é pré-requisito para se adquirir credibilidade.
As vitórias e títulos representam a prova da competência no treinamento esportivo e, à medida que vão surgindo, eles vão suprimindo a dúvida que as pessoas têm em relação ao trabalho das treinadoras.
"Mas a primeira vez que eu fui campeã brasileira, com o atleta meu que ganhou o Campeonato brasileiro, de repente todo mundo começou a me cumprimentar. Todo mundo não, a maioria dos técnicos" (Treinadora 3, natação).
Ela assumiu a equipe em 2016 e relata que os primeiros contatos foram complicados. Ela pedia para o seu auxiliar, que é homem, dar os comandos e orientações ao time em seu lugar.
“Parecia que o que eu falava não tinha tanta credibilidade quanto o que o outro técnico falava. Eu lembro que eu tinha que praticamente defender uma tese quando ia passar algo para eles porque sempre era aceito com muita desconfiança”
Fonte: Estadão
Ana é conhecida por ser mandona dentro de quadra e por gritar bastante durante os jogos, passando orientações. E isso a incomoda bastante porque virou um rótulo lançado sobre ela.
“Eu não gosto de ter esse jeito de grossa, mas foi o jeito que eu encontrei de me impor. Dói mais em mim ter essa imagem do que nos atletas que escutam meus gritos. Eu vejo outros técnicos que gritam, mas ninguém comenta [...]"
As relações de gênero são determinantes para o surgimento de oportunidades desiguais para homens e mulheres de inserção na carreira de treinador. O domínio masculino em cargos de poder e liderança esportiva garante esse reduto.
Em relação à permanência no cargo, evidenciou-se um conjunto de qualidades e competências como requisitos para suprir as exigências da profissão; o uso de estereótipos como estratégia de relacionamento e imposição de autoridade junto à equipe; a conquista de resultados como fator fundamental para a aquisição de credibilidade; e a motivação pessoal para se dedicar a essa carreira instável e difícil.