Introducing
Your new presentation assistant.
Refine, enhance, and tailor your content, source relevant images, and edit visuals quicker than ever before.
Trending searches
Testamento
Vou partir de avião
E o medo das alturas misturado comigo
Faz-me tomar calmantes
E ter sonhos confusos
Se eu morrer
Quero que a minha filha não se esqueça de mim
Que alguém lhe cante mesmo com voz desafinada
E que lhe ofereçam fantasia
Mais que um horário certo
Ou uma cama bem feita
Dêem-lhe amor e ver
Dentro das coisas
Sonhar com sóis azuis e céus brilhantes
Em vez de lhe ensinarem contas de somar
E a descascar batatas
Preparem minha filha para a vida
Se eu morrer de avião
E ficar despegada do meu corpo
E for átomo livre lá no céu
Que se lembre de mim
A minha filha
E mais tarde que diga à sua filha
Que eu voei lá no céu
E fui contentamento deslumbrado
Ao ver na sua casa as contas de somar erradas
E as batatas no saco esquecidas
E íntegras.
Ana Luísa Amaral
Nascimento 5 de Abril de 1956 (62 anos)
Lisboa, Portugal
Ocupação tradutora e professora de Literatura e Cultura Inglesa e Americana na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Prémios Prémio Literário Casino da Póvoa (2007)
Grande Prémio de Poesia APE/CTT (2007)
Prémio P.E.N. Clube Português de Novelística (2014)
Premio Internazionale Fondazione Roma: Ritratti di Poesia (2018)
Tema/Assunto
Tema: Vida
Assunto: Efemeridade da vida
"Testamento é a manifestação de última vontade pelo qual um indivíduo dispõe, para depois da morte, em todo ou uma parte de seus bens."
Vou partir de avião
o medo das alturas misturado comigo
Faz-me tomar calmantes
E ter sonhos confusos
Eufemismo: "vou partir de avião"=morte
Se eu morrer
Quero que a minha filha não se esqueça de mim
Que alguém lhe cante mesmo com voz desafinada
E que lhe ofereçam fantasia
Mais que um horário certo
Ou uma cama bem feita
Sinédoque: "ofereçam-lhe fantasia"
Dêem-lhe amor e ver
Dentro das coisas
Sonhar com sóis azuis e céus brilhantes
Em vez de lhe ensinarem contas de somar
E a descascar batatas
Preparem minha filha para a vida
Se eu morrer de avião
E ficar despegada do meu corpo
E for átomo livre lá no céu
Eufemismo: "e ficar despegada do meu corpo"; "e for átomo livre lá no céu"
Que se lembre de mim
A minha filha
E mais tarde que diga à sua filha
Que eu voei lá no céu
E fui contentamento deslumbrado
Ao ver na sua casa as contas de somar erradas
E as batatas no saco esquecidas
E íntegras.
Hipálage: "batatas íntegras" = pessoas íntegras
FIGURAÇÕES DO POETA: Visão feminista e liberal da educação
ARTE POÉTICA: misto de prazer e angústia, contraste dos temas: morte e a felicidade
Análise Formal
-Quadra
-Sextilha
-Quintilha
-Quintilha
-Oitava
-Acentuação: grave, feminina ou paroxítona
-Métrica irregular
-Rima inexistente
-Presença de poesia musical (ritmo, domínio das potencialidades expressivas da língua)
89º e 90º estrofes do canto IX dos Lusíadas (Luís de Camões)
"Em tão longo caminho e duvidoso
Por perdidos as gentes nos julgavam;
As mulheres c’um choro piedoso,
Os homens com suspiros que arrancavam;
Mães, esposas, irmãs, que o temeroso
Amor mais desconfia, acrescentavam
A desesperação, e frio medo
De já não nos tornar a ver tão cedo.
"Qual vai dizendo: —" Ó filho, a quem eu tinha
Só para refrigério, e doce amparo
Desta cansada já velhice minha,
Que em choro acabará, penoso e amaro,
Por que me deixas, mísera e mesquinha?
Por que de mim te vás, ó filho caro,
A fazer o funéreo enterramento,
Onde sejas de peixes mantimento!" —
Intertextualidade
-"Os Maias", Eça de Queirós (11º ano)
-Influência da família na educação
-Relação entre Carlos da Maia e Afonso da Maia
-Desenvolvimento da inteligência por meio do conhecimento experimental
de: amor, virtude e honra
-"Deixava-o cair, correr, trepar às árvores, molhar-se, apanhar soleiras (...)"
esta é a única que se podia usar acho das que vi"
-No poema Testamento diz que, se morrer, quer que a sua filha se lembre de si.
-Que não se esqueça de mim. Esse poema acaba a falar de batatas íntegras. Não há batatas íntegras, há pessoas íntegras. Há dois conceitos que vemos desbaratados ou espezinhados: a integridade e a bondade. A palavra bondade é uma palavra que já não se usa. Parece que é uma palavra antiga, demodé. Fala-se de pessoas muito inteligentes, valoriza-se a inteligência. Mas uma pessoa boa é rara. A bondade é também a solidariedade para com o outro. É a “com-paixão”. É a simpatia no sentido “sentir com”. Dos nossos políticos, está muito arredada. A integridade também parece um valor esquecido.
in Público, 11 de Dezembro de 2011, 0:00 por Anabela Mota Ribeiro