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Se, na verdade, se contenta em repertoriar as normas enunciadas e praticadas, para classificá-las em quadros de frequências, reforça-se, pura e simplesmente, a garantia empírica da ideologia.
Se, como faz às vezes a sociologia clássica, se interroga sistematicamente a diferença entre os enunciados e as práticas e a diferença entre a fraseologia e as estruturas institucionais, produz-se o conhecimento da defasagem entre os comportamentos conscientes dos sujeitos e as condições destes comportamentos (fraseologia e instituições), mas arrisca-se a fazer destas condições a verdade dos comportamentos conscientes, o que conduz, finalmente, a reforçar a garantia especulativa: o sujeito agindo e falando, está inteiramente mergulhado em sistemas fraseológicos-institucionais que não vê – porque está conscientemente centrado sobre seus próprios gestos e palavras – e que, no entanto, lhe impõem na realidade seus gestos e palavras. Isto quer dizer que cada sistema é por definição, a lei inconsciente produtora de efeitos conscientes: esquece-se, por isto mesmo, que os sistemas fraseológicos institucionais são, eles próprios, produzidos pelos processos ideológicos que atravessam a formação social: em outras palavras, diremos, empregando a distinção que Cl. Lévi-Strauss estabeleceu entre lei e regra, que se confunde assim o pré-consciente da regra sintática imanente a um sistema fraseológico-institucional dado com o inconsciente da lei estrutural que coloca as próprias regras. (HERBERT, 1974 [1968], p. 199)
A forma material dos mitos
(...) as próprias fórmulas iniciais, obrigatórias, com as quais se desenvolve a narração de um mito têm frequentemente uma função de contra-sinal, indicando a passagem de uma ordem normal de discurso para uma ordem especial, dotada, por convenção, de valores particulares (o mesmo acontece, por exemplo, numa cerimônia cristã, no momento em que se introduz a leitura de uma passagem do Evangelho). Sabe-se também que os nomes dos protagonistas destas narrativas, muitas vezes citados e repetidos com uma ênfase particular, são nomes especiais, que introduzem deuses ou demiurgos, entidades naturais misticamente divinizadas ou heróis fundadores, incomparáveis com os homens que vivem actualmente na Terra. (CAPRETTINI; FERRARO; FILORAMO, 1987 [1980], p. 93-94)
Mito e outros gêneros narrativos
O que define o mito relativamente a outros géneros narrativos não são apenas as particularidades do seu conteúdo ou a estrutura das histórias que conta, mas sim o conjunto de marcas muitas vezes aplicadas a partir do exterior: um conto, o mesmo conto, pode ser mito, texto sagrado fonte de conhecimento transcendente para um grupo social, e constituir para outro grupo, mesmo no interior da mesma sociedade, um simples conto de caráter tradicional, saga ou lenda. (CAPRETTINI; FERRARO; FILORAMO, 1987 [1980], p. 95)
Recapitulando
Cultura:
- laço
- traço
- prática
- materializada em narrativas (míticas, científicas etc.)
- articulada com FSs, FIds, FDs numa cartografia a ser investigada
- constituidora de sentidos, sensibilizações, experimentações, formas de materializar
- fluida x imaginária
- aparelho
- em (des)continuidade em relação a natureza
Santo Anjo
Oração católica pedindo proteção ao seu santo anjo da guarda, é uma forma de indulgência:
Versão mais conhecida:
Santo Anjo do Senhor,
meu zeloso guardador,
Se a ti me confiou a piedade divina.
sempre me rege,
me guarda, me governa e
me ilumina
Amém.
É comum um erro gramatical ao final do texto. A prece se dirige ao Anjo tratando-o por TU (como pode-se ver na frase “se a TI me confiou…”), portanto, as formas do imperativo devem ser da segunda pessoa: “...me regE, guardA, governA e iluminA“. Talvez o E de REGE (que está correto) influencie a conjugação errônea dos outros três verbos e muitas vezes a prece é encontrada com o erro: "me rege, guardE, governE e iluminE).
[In: http://pt.wikipedia.org/wiki/Santo_Anjo]
Ritos, línguas, mitos
(...) o tom solene, fórmulas particulares (vide também o legetai de Platão), a linguagem muitas vezes arcaica na escolha do léxico e na construção sintáctica, determinados aspectos do verbo. Os etnógrafos que assistiram à narração de mitos no seu contexto natural raras vezes têm deixado de observar como tal narrativa está ligada a momentos particulares do tempo, a ocasiões sociais definidas, ou mesmo – como é muito comum – a contextos cerimoniais bem precisos (festas, ritos de iniciação, funerais...). (CAPRETTINI; FERRARO; FILORAMO, 1987 [1980], p. 94)
Cultura, ideologia, porosidade
Como o terreno bruto da própria linguagem, as culturas “funcionam” exatamente porque são porosas, de margens imprecisas, intrinsecamente inconsistentes, nunca inteiramente idênticas a si mesmas, seus limites transformando-se continuamente em horizontes. É certo que elas são por vezes mutuamente opacas; todavia, quando conseguem ser mutuamente inteligíveis não é em virtude de alguma metalinguagem compartilhada na qual ambas podem ser traduzidas (…). Se o “outro” encontra-se além da minha compreensão, não é por causa da diferença cultural mas porque ele é, afinal de contas, ininteligível para si também. (…) O que torna possível a comunicação entre diferentes culturas, conforme argumenta Žižek, é o fato de que o limite que impede nosso pleno acesso ao Outro é ontológico, não meramente epistemológico. (EAGLETON, 2011 [2000], p. 139)
É necessário pensar no tempo das narrativas lógicas, racionais, para chegarmos a esse imemorial, esse apagamento de uma história que
insiste em se inscrever.
Cultura, ideologia, língua, discurso
Na realidade, é mais conveniente conceber a língua (objeto da linguística) como a base sobre a qual processos se constroem; a base linguística caracteriza, nesta perspectiva, o funcionamento da língua em relação a si própria, enquanto realidade relativamente autônoma; e é preciso, por conseguinte, reservar a expressão processo discursivo (processo de produção do discurso) ao funcionamento da base linguística em relação a representações (...) postas em jogo nas relações sociais. Isto permite compreender por que formações ideológicas muito diversas podem se constituir sobre uma única base (resposta ao problema: uma só língua/várias culturas). (PÊCHEUX, 2011c [1971], p. 128; negrito nosso)
A eliminação progressiva dos traços de uma cultura não é isenta de historicidade, de ideologia, de política. Observando o fenômeno de modo empírico, Lévi-Strauss o interpreta em termos de viabilidade do sistema em que tais traços estão inseridos. Nosso gesto, diferentemente, reconhece que o prolongamento da vida dos traços de uma cultura está sujeito a disputa por sentidos, propriamente. Os traços são interpretáveis pelos sujeitos das culturas através dos mitos, “um sistema de equações onde os símbolos, nunca claramente percebidos, são cotejados por meio de valores concretos escolhidos para dar a ilusão de que as equações subjacentes são solúveis” (LÉVI-STRAUSS, 1985, p. 215).
Nada impede, com efeito, que culturas diferentes coexistam e que prevaleçam entre elas relações relativamente tranquilas (...). cada cultura se afirma como a única verdadeira e digna de ser vivida; ignora as outras, chega mesmo a negá-las como culturas. A maior parte dos povos a que nós chamamos primitivos designam-se a si mesmos com nomes que significam «os verdadeiros», «os bons», os «excelentes», ou mesmo «os homens» simplesmente; e aplicam adjectivos aos outros que lhes denegam a condição humana, como «macacos de terra» ou «ovos de piolho». (LÉVI-STRAUSS, 1983, p. 26)
Cultura: traço, reprodução, deslocamento
Uma cultura consiste numa multiplicidade de traços, dos quais alguns são comuns, embora em graus diversos, as culturas vizinhas ou afastadas, enquanto que outros separam-nas de maneira mais ou menos marcada. Esses traços equilibram-se no seio de um sistema que, num e noutro caso, deve ser viável, sob pena de se ver progressivamente eliminado por outros sistemas, mais aptos a propagar-se e a reproduzir-se. (LÉVI-STRAUSS, 1983, p. 39-40)
O mero detalhe não é mero
Para o estudo de uma cultura pouco conhecida ou desconhecida, detalhes aparentemente insignificantes são às vezes os mais reveladores. Zombaram desta minúcia. Entretanto, as receitas quaquiutle forneceram-me a chave para certos problemas mitológicos, revelando as relações de compatibilidade ou de incompatibilidade entre as substâncias alimentares, relações que não são apenas uma questão de gosto. (ERIBON & LÉVI-STRAUSS, 1990 [1988], p. 55)
Do detalhe à posição
As diferenças culturais definem posições na sociedade, muito mais do que definem os limites da sociedade como um todo. Só na transição da sociedade agrária para a industrial a cultura deixa de ser o recurso que define as posições sociais específicas. Os indivíduos se tornam os ocupantes de tais posições. A cultura passa a demarcar a fronteira de uma unidade social ampla e internamente móvel, dentro da qual os indivíduos não têm uma posição fixa e passam por uma rotatividade baseada nos requisitos da produção. (...) Uma sociedade desse tipo está constantemente propensa a, por assim dizer, secretar, engendrar, elaborar diferenciações culturais em seu interior. Constitui um sistema de postos e posições diferenciados, e estes precisam ser reconhecidos, destacados, tornados visíveis. Nisso consiste a cultura. (GELLNER, 2000 [1996], p. 112)
Mito, tempo, outro
Pode ser que o « pensamento mítico », como afirmam numerosos estudiosos das diversas ciências do homem, seja uma categoria da psique humana. Em todo o caso, enquanto tal, apresenta-se como uma forma autónoma nas suas escolhas, mas que não tem em si mesma um conteúdo abstraído da história. (CAPRETTINI; FERRARO; FILORAMO, 1987 [1980], p. 92)
Sobre o tempo das narrativas míticas: “(...) não é um tempo simplesmente passado, mas um outro tempo, aquele em que o mundo ainda não tinha assumido o aspecto que hoje nos revela, um tempo em que podiam acontecer legitimamente eventos que hoje estariam fora da ordem natural” (CAPRETTINI; FERRARO; FILORAMO, 1987 [1980], p. 94).
É necessário pensar no tempo das narrativas lógicas, racionais, para chegarmos a esse imemorial, esse apagamento de uma história que insiste em se inscrever.
Paradoxo da endogenia exógena
EB11: ALIMENTO. (…) A Alimentação no Brasil. No Brasil, a herança legada pelos colonos portuguêses sofreu as naturais adaptações ao meio físico e recebeu a contribuição trazida pelo indígena e pelo negro africano. (1964, p. 273-274)
Práticas e saberes no sujeito
Não existe atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual, não se pode separar o homo faber do homo sapiens. Em suma, todo homem, fora de sua profissão, desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um “filósofo”, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim para manter ou para modificar uma concepção do mundo, isto é, para promover novas maneiras de pensar. (GRAMSCI, 1982 [1949], p. 7-8)
O significante cultura
Na famosa distinção de Edward Sapir entre uma cultura que encarna “qualquer elemento socialmente herdado na vida do homem” e outra que “se refere a um ideal bastante convencional de refinamento individual”, a mesma palavra aparece em dois campos semânticos distintos: no primeiro caso, opõe-se ao “estado da natureza”, ou seja, à falta de um conhecimento tradicional socialmente hereditário; no segundo, é contrastado com a rudeza determinada pela negligência ou falha dos processos de refinamento (educacionais). (BAUMAN, 2012 [1975, 1999], p. 86)
Freud e o frustrante domínio do
homem sobre (sua) natureza
Existe ainda um fator adicional de desapontamento. Durante as últimas gerações, a humanidade efetuou um progresso extraordinário nas ciências naturais e em sua aplicação técnica, estabelecendo seu controle sobre a natureza de uma maneira jamais imaginada. As etapas isoladas desse progresso são do conhecimento comum, sendo desnecessário enumerá-las. Os homens se orgulham de suas realizações e têm todo direito de se orgulharem. Contudo, parecem ter observado que o poder recentemente adquirido sobre o espaço e o tempo, a subjugação das forças da natureza, consecução de um anseio que remonta a milhares de anos, não aumentou a quantidade de satisfação prazerosa que poderiam esperar da vida e não os tornou mais felizes. Reconhecendo esse fato, devemos contentar-nos em concluir que o poder sobre a natureza não constitui a única precondição da felicidade humana, assim como não é o único objetivo do esforço cultural. (FREUD, 1930) Daí, também, cultura-civilização
E quais são os objetivos dos esforços culturais?
O mito como tradução: interdiscurso, memória, narrativas cindidas, porosidade, fronteiras
(…) todo mito é, por natureza, tradução. Origina-se de outro mito, proveniente de uma população vizinha mas estrangeira, ou de um mito anterior da mesma população, ou ainda contemporâneo, mas pertencente a outra subdivisão social (…) (LÉVI-STRAUSS, 2011 [1971], p. 621)
A indefinição de
discurso na antropologia estrutural
(…) pobre é a crítica daqueles que buscam me colocar em contradição comigo mesmo, dizendo que eu teria afirmado ao mesmo tempo que a análise mítica não tem fim e que os próprios mitos são in-termináveis (CC: 24) e que (passim) o conjunto dos mitos que constituem o objeto de meu estudo consiste num sistema fechado. Só pode raciocinar assim quem desconhece a diferença entre o discurso mítico de cada sociedade que, como todo discurso, permanece aberto – pode ser dada uma continuação para cada mito, novas variantes podem surgir, novos mitos podem nascer – e a linguagem com que esse discurso opera, a qual, em cada momento dado, constitui um sistema. (LÉVI-STRAUSS, 2011 [1971], p. 610; grifo nosso)
O significante cultura
Segundo Certeau (1995), no significante cultura podem surgir alguns sentidos são contíguos:
a. os traços do homem “culto” (...) b. um patrimônio das “obras” que devem ser preservadas, difundidas ou com relação ao qual se situar (...) c. a imagem, a percepção ou a compreensão do mundo próprio a um meio (...) ou a uma época (...) d. comportamentos, instituições, ideologias e mitos que compõem quadros de referência e cujo conjunto, coerente ou não, caracteriza uma sociedade como diferente das outras (...) e. a aquisição, enquanto distinta do inato. A cultura diz respeito aqui à criação (...) em uma dialética que a opõe e a associa à natureza. § f. um sistema de comunicação (...). (CERTEAU, 1995, p. 193-194)
Introdução
Acreditamos que os resultados de uma análise discursiva do mito podem ser teoricamente produtivos para a antropologia, na medida em que:
a) como a análise do discurso explicita os mecanismos de produção dos sentidos, ela traz indicações fecundas para a sua interpretação, e os resultados da análise fazem, assim, parte do material etnológico;
b) tornando visível o processo de produção de sentidos pela remissão a fatores histórico-socioculturais do funcionamento do texto mítico, a análise do discurso faz aparecer elementos contextuais muito significativos para o conhecimento da cultura indígena.
A análise do discurso pode (...) constituir em sua relação com a antropologia um campo de reflexões comuns (...) produzindo um conhecimento bem delimitado (...). (ORLANDI, 2008b [1990], p. 196)
Língua e cultura
Também não creio, por outro lado, que língua e cultura tenham entre si, a rigor, qualquer relação de causa e efeito. Pode-se definir a cultura “o que” a sociedade faz e pensa. A língua é um “como” especialmente se pensa. É difícil discernir que relação de causa e efeito se pode esperar que subsista entre um inventário selecionado da experiência (cultura, ou seja, seleção significativa feita pela sociedade) e a maneira particular pela qual exprime a sociedade toda experiência. (SAPIR, 1971 [1921], p. 216)
Introdução
(i) Que sujeito e que cultura? - Inconsciente e narrativa
(ii) Que ideologia e que cultura? - Processos de determinação e com-dominância
(iii) Que língua e que cultura? - Materialidades em (em)(hein?)contro e confronto
(iv) Que relações entre cultura, nação e capitalismo internacional? - Identificações
(v) Como a cultura? - Formações em formação, fluidez, imaginário, aparelho
(vi) Como passar da investigação teórica para o quadro político-metodológico? - Análise de materialidades que provocam efeito de legitimação: mito e ciência
A indefinição de
cultura na Análise do Discurso
O efeito subversivo da trilogia Marx-Freud-Saussure foi um desafio intelectual engajando a promessa de uma revolução cultural, que coloca em causa as evidências da ordem humana como estritamente bio-social. (PÊCHEUX, 2006 [1983], p. 45)
(…) a revolução cultural estruturalista não deixou de fazer pesar uma suspeita absolutamente explícita sobre o registro do psicológico (…) ao mesmo tempo, esse movimento anti-narcísico (cujos efeitos políticos e culturais não estão, visivelmente, esgotados) balançava em uma nova forma de narcisismo teórico (op. cit., p. 46)
O binômio Natur x Kultur
(...) quais são estas consequências sociais? Quais são essas consequências sociais da teoria da libido? Você as encontra em todas as minhas publicações. Desejaria resumi-las em poucas palavras: se temos uma torrente, uma torrente natural, devemos deixá-la correr. Se colocamos diques em algum lugar, ela conseguirá superá-los. Isto é tudo. Portanto, quando se constrói diques no natural fluir da bio-energia, ela também os ultrapassa levando a irracionalismos, perversões, neuroses, etc. Que se deve fazer para corrigir isto? Deve-se fazer retornar a torrente a seu leito normal e deixá-la fluir de novo naturalmente. Isto requer uma boa dose de mudanças educativas, na maneira de criar as crianças e na vida de família. Estas são as consequências sociais. Mas algo fez com que Freud não pudesse seguir-me até aí. Não foi a técnica da análise caracterológica que o incomodou, mas a revolução sexual. (...) Não houve objeções. “Kultur”, isto é tudo. Quero deixar bem claro que Das Ungehaben in der Kultur (O mal-estar na cultura) foi escrito especificamente como resposta a uma de minhas conferências na casa de Freud. Eu era o único que foi “ungehablich in der Kultur”. (...) A observação de Freud foi, “Die Kultur geht vor” (A cultura em preferência). (...) Aqui surgiu o velho cavalheiro, ligado a sua família, ligado a seus discípulos, que eram parcialmente neuróticos e estavam parcialmente ligados a suas famílias. (REICH, 1974 [1967], p. 48)
A distribuição desigual entre língua e cultura
Os historiadores e os antropólogos têm verificado que as raças, as línguas e as culturas não se distribuem paralelamente, que as suas áreas de distribuição se cruzam do modo mais surpreendente, e que a história de cada uma pode seguir um curso inteiramente seu. As raças mesclam-se de maneira que não sucede com as línguas. Por outro lado, as línguas podem propagar-se muito além do berço, invadindo territórios de outras raças e outros âmbitos de cultura. Uma língua pode até extinguir-se no habitat primitivo para viver entre povos violentamente hostis àqueles que originariamente a falavam. Acresce que as ocorrências da história estão constantemente remodelando os lindes das áreas de cultura sem necessariamente fazer desaparecer as divisões linguísticas existentes. (SAPIR, 1971 [1921], p. 206)
A indefinição de
cultura na Análise do Discurso
Encarada seriamente (isto é, de outro modo que apenas uma simples “troca cultural”) essa aproximação engaja concretamente maneiras de trabalhar sobre as materialidades discursivas, implicadas em rituais ideológicos, nos discursos filosóficos, em enunciados políticos, nas formas culturais e estéticas, através de suas relações com o cotidiano, com o ordinário do sentido. (op. cit., p. 49)
O neo-marxismo anglo-americano é amplamente, nos seus desenvolvimentos atuais, um efeito universitário (ligado em grande parte às recaídas do estruturalismo político europeu), isto é, um marxismo sem “órgãos”... que não sejam intelectuais. O que não quer, aliás, dizer que, com a ajuda do espírito “pragmático” da cultura anglo-americana, este efeito não tenha repercussões sobre o campo cultural, ideológico e político, e que ele não reserve alguma surpresa aos que celebram “o fim do marxismo”! (op. cit., p. 64) [grifos meus]
O recurso de Herbert-Pêcheux a Lévi-Strauss
Pode-se pois enunciar que todo sujeito empiricamente encontrado numa formação social suporta os efeitos ideológicos dos quais ele é o “Träger” e guarda deles traços referenciáveis, a saber:
1. O grupo semântico das normas enunciadas e praticadas marcando seu “meio” e definindo a forma de suas estruturas comportamentais (gestos e palavras) que uma etologia humana permite repertoriar;
2. O grupo sintático da fraseologia ideológica e das estruturas institucionais nas quais suas palavras e gestos tomam lugar, a título de elementos.
É claro que esta cartografia, suscetível de identificar e localizar as estruturas comportamentais, de um lado, e sua matriz fraseológica e institucional, de outro, provém de uma prática sociológica atualmente realizável sob certas condições imperativas que, por não serem respeitadas, conduzem a pesquisa sociológica a reproduzir especularmente a ideologia da qual ela pretende mostrar o mecanismo.
Maître-mot
L’Être, le Monde, le Travail, l’Histoire, mais tout autant la Trifonctionalité, la Race, les Cosmogonies, les Mythes, voilà autant de noms qui, au cours des temps, émis par quelque Voix, ont dit le Lien. Leur diversité n’est rien de moins que la diversité de ce qu’on baptise ordinairement des cultures, à moins que ce ne soient des systèmes ou de visions du monde. Croire en effet que la fonction du Lien soit toujours définie est sans dute la supposition minimale qui autorise les sujets à se supporter rassemblés, mais à s’accorder sur la valeur de la fonction, on a fait un peu plus : on a conféré au rassemblement une consistance dicible. (MILNER, 1983, p. 70)
on peut tenir que la Réalité, de structure, est fantasmatique, puisque, comme le fantasme, elle est valeur du Lien. (MILNER, 1983, p. 72)
Fantasmas, tradições, arquivos, interpelação
Não seria, por exemplo, a história de Agar um “arquivo” do islã, relacionada à educação islâmica explícita da mesma forma que a tradição secreta judaica de Moisés está ligada às lições explícitas do judaísmo? Em sua argumentação sobre a figura freudiana de Moisés, Eric Santner apresenta a principal diferença entre história simbólica (que seria o conjunto de narrativas explicitamente míticas e prescrições ideológico-éticas que constituem a tradição de uma comunidade, aquilo que Hegel denominaria sua “substância ética”) e o Outro obsceno, a história secreta incognoscível “espectral”, fantasmática que efetivamente sustenta a tradição simbólica explícita, mas precisa continuar afastada para ser operacional. O que Freud mais se esforça para reconstituir em seu livro sobre Moisés (a história do assassinato de Moisés, etc.) é uma história tão espectral que assombra o campo da tradição religiosa judaica. Quando uma pessoa se torna pleno membro de uma comunidade, isso não se dá simplesmente pela sua identificação com a tradição simbólica, mas só se efetiva quando ela assume a dimensão espectral que sustenta essa tradição, os fantasmas morto-vivos que assombram os vivos, a história secreta das fantasias traumáticas transmitidas “nas entrelinhas”, através das faltas e distorções da tradição simbólica explícita. A ligação persistente que o judaísmo mantém com o violento gesto fundador desconhecido que apavora a ordem pública legal como seu suplemento espectral foi o que possibilitou os judeus a persistirem e sobreviverem por milhares de anos sem um território e uma tradição institucional comum: eles se recusaram a desistir de seu fantasma, a tolherem a ligação com sua tradição secreta, condenada. O paradoxo do judaísmo é que ele se mantém fiel ao violento Evento fundador precisamente ao confessá-lo, simbolizá-lo: esse status “reprimido” do Evento é o que dá ao judaísmo essa vitalidade sem precedentes. (ŽIŽEK, s/d [1997]; tradução nossa)
A forma material da ciência
A linguagem científica é, por princípio, uma neo-linguagem. Para ser entendido na cidade científica, é preciso falar cientificamente a linguagem científica, traduzindo os têrmos da linguagem comum em linguagem científica Se se desse atenção a esta atividade de tradução freqüentemente mascarada, perceber-se-ia que há assim na linguagem da ciência um grande número de têrmos entre aspas. (BACHELARD, 1972 [1953], p. 37)
Tese n. 34: Os cientistas são os agentes de produção do processo de produção de uma ciência determinada no campo de sua prática. Eles ocupam um lugar e uma função definidos por esta prática, e, em última instância, pelo processo do qual ela depende (ALTHUSSER, 1973 [1967-1968], p. 128)
Prolongamentos e oposições
A cultura é um prolongamento da natureza humana, exaustivamente analisável em termos da biologia da espécie, ou ela é uma ordem suprabiológica que ultrapassa dialeticamente seu substrato genético? A sociedade é a soma das interações e representações dos indivíduos que a compõem, ou ela é sua condição supraindividual, e como tal um “nível” específico da realidade? (CASTRO, 2011, p. 302)
Pós-binariedade, pós-dualismo
A antropologia, como se pode ver, não deixou de se confrontar com o problema das relações de continuidade e descontinuidade entre a natureza e a cultura, um problema que temos frequentemente tratado como constitutivo do campo de escolha dessa forma original de conhecimento. (…) Aparentemente, com efeito, a antropologia da natureza é uma forma de oxímoro, dado que, há muitos séculos no Ocidente, a natureza se caracteriza pela ausência do homem, e o homem mesmo se caracteriza como aquele que soube superar o que há de natural em si. (…) A natureza não existe como uma esfera de realidades autônomas para todos os povos, e não devia haver outra tarefa para a antropologia senão compreender por que e como tanta gente classifica seres que chamamos naturais dentro da humanidade, mas também por que e como nos parece necessário excluir essas entidades de nosso destino comum (DESCOLA, 2001; tradução nossa)
Uma língua, várias culturas
Na realidade, é mais conveniente conceber a língua (objeto da linguística) como a base sobre a qual processos se constroem; a base linguística caracteriza, nesta perspectiva, o funcionamento da língua em relação a si própria, enquanto realidade relativamente autônoma; e é preciso, por conseguinte, reservar a expressão processo discursivo (processo de produção do discurso) ao funcionamento da base linguística em relação a representações (...) postas em jogo nas relações sociais. Isto permite compreender por que formações ideológicas muito diversas podem se constituir sobre uma única base (resposta ao problema: uma só língua/várias culturas). (PÊCHEUX, 2011c [1971], p. 128; sublinha nossa)
Aparelho cultural de estado
Esta forma cerrada e excludente – “racista” – do nosso aparelho cultural frente aos “bens culturais” disponíveis não exclui para o futuro ideológico da burguesia o “uso” de expressões populares portuguesas, negro-africanas, indígenas etc. O que é importante notar por referência a estas “incursões” em nosso aparelho cultural (por estes intelectuais) é sua forma imobilista, fixa, não dialética, sobretudo porque encara a “cultura” como algo natural ou espontaneamente dado, sem agilizá-la na luta de classe e nas políticas ideológicas do Estado burguês. Esta preocupação da cultura como “terra” não está distante da preocupação de uma cultura brasileira ou nacional, mesmo se muito destas últimas formulações procuram tomar uma forma de política cultural mais do que de natureza. (ESCOBAR, 1979, p. 199)
A narrativa única, memorial de cultura
A história das nações (...) nos é sempre-já apresentada na forma de uma narrativa que atribui a essas entidades a continuidade de um sujeito. Assim, a formação da nação surge como o cumprimento de um “projeto” que se estende ao longo de séculos, em que (...) se pensa alcançar um autoconhecimento, que os preconceitos dos vários historiadores vão elencar como mais ou menos decisivos (...), mas que, em todo caso, se enquadram todos num mesmo perfil: o perfil da automanifestação da personalidade nacional. Tal representação constitui, claramente, uma ilusão passada, mas também expressa realidades institucionais constrangedoras. É uma ilusão bifurcada. Consiste em acreditar que as gerações que se sucederam (...) num território relativamente estável, sob um gentílico relativamente unívoco, transmitiram uma à outra uma substância invariável. E consiste em acreditar que o processo de desenvolvimento do qual selecionamos aspectos de modo retrospecto — para que possamos nos ver como o ápice desse processo — foi o único possível, ou seja, ele representava nosso destino. (BALIBAR, 1991, p. 86; tradução nossa)
O contar e o mostrar do mito
Os próprios indígenas não entendem a exposição do mito como um acto pertencente ao âmbito de contar, mas sim do mostrar. Aquilo que a um observador estranho parece ser o accionar de uma cadeia narrativa aparece ao indígena como um modo mais ainda para re-percorrer, para “descrever”, do que para “actualizar”, uma estrutura simbólica preexistente e objectivada através da sua repetição ritual. (CAPRETTINI; FERRARO; FILORAMO, 1987 [1980], p. 94)