1. Rompimento com a narrativa linear
A revolução dessa obra, que parece cavar um fosso entre dois mundos, foi uma revolução ideológica e formal: aprofundando o desprezo às idealizações românticas e ferindo no cerne o mito do narrador onisciente, que tudo vê e tudo julga, deixou emergir a consciência nua do indivíduo, fraco e incoerente. O que restou foram as memórias de um homem igual a tantos outros, o cauto e desfrutador Brás Cubas. (BOSI, 1974, p. 197).
O menino é pai do homem;
E eu hei de atar meus dias, cada qual,
Com elos da piedade natural.
Fonte: WORDSWORTH, William. Poesia selecionada. Tradução de Paulo Vizioli. São Paulo: Mandacaru, 1988. p. 49
3. A questão do defunto autor
Machado Assis: O Enigma do Olhar
Bosi aponta a sutileza que destaca-se no olhar machadiano: mesmo diante da cena minuciosamente descrita de um comportamento abominável, não surge a condenação moral esperada, tantas vezes automática. Impassivelmente, Machado mostra e atenua, “morde e assopra,” como que aceitando a inevitabilidade de tais manifestações da alma humana.
Essa postura, lembra o autor, seria fatalista e conformista, não fossem o sarcasmo e escárnio, venenos aí instilados; seria também frouxidão, não fossem os opostos mantidos em sua mais dura integridade, e com muita fineza.
4. Reflexão profunda em torno do trágico da condição humana
2. Crítica Social
Eu sinto o coração bater mais forte.
Quando o arco-íris posso ver.
Assim foi quando a vida começou
Assim é agora quando adulto sou,
E assim será quando eu envelhecer...
Senão, melhor a morte!
Capítulo XI - O Menino é o pai do homem
EIXOS DE DISCUSSÃO
Sob este aspecto, é interessante comparar a sua perfeita normalidade essencial de Fortunato da “Causa secreta” com a sua perfeita normalidade social de proprietário abastado e sóbrio, que vive de rendas e do respeito coletivo. O sentido machadiano dos sigilos da alma se articula em muitos casos com uma compreensão igualmente profunda das estruturas sociais, que funcionam em sua obra com a mesma imanência poderosa de Roger Bastide demonstrou haver no caso da paisagem. E aos seus alienados no sentido psiquiátrico correspondem certas alienações no sentido social e moral (CANDIDO, 1970, p.26).
Leituras Fundamentais:
1. BOSI, Alfredo. Brás Cubas em três versões. Teresa: revista de literatura brasileira [6│7]. São Paulo: Ed. 34, 2006, p. 279-317.
2. SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. 3. ed. São Paulo: Ed. 34, 1997
3. CANDIDO, Antonio. Esquema de Machado de Assis. In: ______. Vários escritos. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1970, p. 15-32.
Ao substituir a linearidade da narrativa, a preferência pela ação e a leve caracterização das personagens por uma lógica independente da cronologia, que permite ao narrador viajar pelo tempo sem perder o rumo dos acontecimentos, torna possível a inserção de cuidadosas reflexões em qualquer um dos capítulos da obra, ou permite a condução dos acontecimentos sem ficar à mercê da necessidade de encadear os assuntos um após outro (FIGUEIREDO, 2000, p.183).
Há na sua obra um interesse mais largo, proveniente do fato de haver incluído discretamente um estranho fio social na tela do seu relativismo. Pela sua obra toda há um senso profundo, nada documentário, do status, do duelo dos salões, do movimento das camadas, da potência do dinheiro. O ganho, o lucro, o prestígio, a soberania do interesse são molas dos seus personagens, aparecendo em Memórias póstumas de Brás Cubas, avultando em Esaú e Jacó, predominando em Quincas Borba, sempre transformando em modos de ser e fazer. E os mais desagradáveis, os mais terríveis dos seus personagens, são homens de corte burguês impecável, perfeitamente entrosados nos mores da sua classe.
A estridência, os artifícios numerosos e a vontade de chamar atenção dominam o começo das Memórias póstumas de Brás Cubas. [...] A persistência na afronta, sem a qual as Memórias ficariam privadas de seu ritmo próprio, funciona como um requisito técnico. Para cumpri-lo o narrador a todo momento invade a cena e “perturba” o curso do romance. Essas intromissões, que alguma regra sempre infringem, são o recurso machadiano mais saliente e famoso. A crítica as tratou como traço psicológico do Autor, deficiência narrativa, superioridade de espírito, empréstimo inglês, metalinguagem, nada disso estando errado. [...] Serão vistas enquanto forma, tomado o termo em dois sentidos, a) como regra de composição da narrativa, e b) como estilização de uma conduta própria à classe dominante brasileira (SCHWARZ, 1997, p. 20).
A fórmula narrativa de Machado consiste em certa alternância sistemática de perspectivas, em que está apurado um jogo de pontos de vista produzido pelo funcionamento mesmo da sociedade brasileira. O dispositivo literário capta e dramatiza a estrutura do país, transformada em regra da escrita. E com efeito, a prosa narrativa machadiana é das raríssimas que pelo seu mero movimento constituem um espetáculo histórico-social complexo, do mais alto interesse, importando pouco o assunto de primeiro plano. (SCHWARZ, 1997, p. 20).
• Alguns capítulos no livro trazem trechos de cartas e bilhetes que o narrador recebeu. Exemplos: capítulo XCI “Uma carta extraordinária” e capítulo CVII “bilhete”.
• O capítulo LV “O velho diálogo de Adão e Eva” é constituído por um diálogo de, apenas, pontos, assim com o capítulo CXXXIX “De como não fui ministro de estado”.
• O capítulo XXVI “O autor hesita” um poema concretista.
• O capítulo LIII possui como título “. . .. .”.
• O capítulo CXIX “parênteses” é composto por ditados populares escritos pelo narrador.
• O capítulo CXXV “epitáfio”, como o título sugere, é composto pelo epitáfio de uma das personagens.